Ch’an (Zen) na China

Mais ou menos no ano 520, Bodhidharma cruzou o Oceano Índico, indo para a China. Sua chegada às terras do imperador Amarelo marcou o início do Ch’an e ele tomou-se o primeiro patriarca Chinês.

Embora diversas escolas do Budismo tenham sido criadas na China, muito antes de Bodhidharma chegar, sua reputação de renomado mestre de Dhyana antecedeu-o; por isso, o imperador Chinês Wu-ti (502-540), que era um budista devoto, convidou Bodhidharma para visitar o Palácio Imperial, a fim de transmitir seus ensinamentos. O Imperador tinha patrocinado a construção de muitos mosteiros e templos budistas e sustentado diversos mestres de várias seitas budistas. Segundo sua maneira de entender os ensinamentos, achava que, em conseqüência de tudo o que fazia, deveria ‘merecer’ um feliz e próspero reino, e ter o privilegio de reencarnar no lugar que os budistas chamam de “Nação Pura”, onde, ao contrário da terra, todas as condições de vida conduziriam à realização da iluminação.

O imperador estava encantado por ter a oportunidade de encontrar um mestre profundamente iluminado e ansioso para conhecer suas realizações espirituais. Conta-se que, ao encontrar Bodhidharma o imperador perguntou:

“Tenho construído muitos templos, copiado inúmeros Sutras e ordenado muitos monges, desde que me tomei imperador. Portanto, pergunto-lhe: qual é o meu mérito?”

“Nenhum!”, respondeu Bodhidharma.

O Imperador insistiu: “Por que não tenho mérito?”

Bodhidharma replicou: “Fazer as coisas para obter mérito tem um motivo impuro e só revelará o fruto mesquinho do renascimento.”

O imperador, um tanto aborrecido, então, perguntou “Qual é o principio mais importante do Budismo?”

Ao que Bodhidharma respondeu: “Um grande vazio. Nada sagrado.”

O imperador agora confuso e bastante indignado inquiriu: “Quem é este que está diante de mim?”

Bodhidharma falou: “Eu não sei.”

Vendo que o Imperador não entendeu, Bodhidharma cruzou o rio para Shaolin, onde ficou em meditação durante nove anos, voltado para a parede de uma gruta.

Wu-ti, mais tarde, conversou com um de seus ministros Budistas sobre o encontro que tivera com Bodhidharma. O ministro perguntou: ‘Vossa Majestade imperial sabe quem é esta pessoa?’ O Imperador disse que não sabia. O ministro falou: ‘Ele é o Bodhisattva da compaixão portador do selo do coração de Buda.’ Cheio de arrependimento o Imperador quis chamar Bodhidharma de volta à corte, mas o ministro advertiu: ‘Ainda que você o mandasse buscar, ele não viria. Nem mesmo se todo o mundo, na China, fosse pedir-lhe.’ Ao mesmo tempo, Bodhidharma atraia um círculo de seguidores e, com o passar dos anos, confirmou’ Eka (o chinês Hui K’o) como seu próprio sucessor do Dharma.

Os mestres de Dhyana rapidamente descobriram que os chineses tinham um sistema contemplativo próprio nos ensinamentos de Lao-tsu’ e de Ch’ung-tsU (o qual se chama coletivamente de Taoísmo). A maneira simples de viver em harmonia com a vida, associada ao Taoísmo, está resumida no principio ‘Wu-wei’, que significa ‘não-fazer’ ou ‘não-esforço’ (no sentido de seguir as ilusões da mente). O texto clássico do Taoísmo, o Tao Te Ching, começa assim:

O Tao que pode ser contado não é o Tao eterno.
O nome que pode ser especificado não é o nome eterno.

O que não tem nome é o eternamente real.
Dar nomes é a origem de todas as coisas pessoais.

Livre do desejo, você compreende o mistério.
Apanhado em desejo, só vê as manifestações.

Embora mistério e manifestações surjam da mesma fonte.
Esta fonte chama-se escuridão.

Escuridão dentro da escuridão.
A porta de todo o entendimento.

As similaridades com o Dhyana Budista eram marcantes e, mais tarde, Ch‘an é impregnado pela influência do Taoísmo que, assim, deu a Ch’an seu sabor distinto. Veja, por exemplo, o Hsin Hsin Ming, escrito pelo Terceiro Patriarca, Sengstan (em japonês, Sosan) que assim começa:

O Grande caminho não é difícil
Para aqueles que não têm preferências.
Quando amor e ódio estão ausentes
Tudo se toma claro e indistinto.
Faça a menor distinção, entretanto,
E o céu e a terra serão infinitamente postos de lado.

Depois do Quarto Patriarca, Tao-hsin, os mestres do Ch’an começaram a construir e fundar mosteiros para treinamento e, quando chegou a época do Quinto, Hung-jen (601-704), já havia mil monges estudando na mesma área.

O SEXTO PATRIARCA

Um dos discípulos do mosteiro de Hung-jen era um camponês analfabeto que, depois, tomou-se o Sexto Patriarca. Seu nome era Hui-neng e, ao lado de Bodhidharma e Shakyamuni, é talvez o mestre mais renomado na história do Zen.

No relato biográfico de sua vida, o Sutra da Declaração de Prinelpios do Sexto Patriarca, conta como chegou até Hung-jen, de-pois de ter ficado todo iluminado ao escutar, por acaso, um monge ler oSutra do Diamante. Hung-jen, percebendo a sua Iluminação, colocou-o para trabalhar na cozinha, pois não queria criar uma situação embaraçosa para os monges mais velhos. Passaram-se oito meses até que Hung-jen chamou todos os monges para uma reunião e anunciou que, se algum deles pudesse compor uma poesia, explicando a essência do Zen, lhe seria dada a ‘transmissão’, e receberia o manto e a tigela do Sexto Patriarca. O favorito para o título era o monge-chefe, Shen-hsin. Ele escreveu o verso a seguir, sem assinar, na parede do mosteiro, altas horas da noite.

Nosso corpo é a árvore-Bodi
Nossa mente, um espelho brilhante.
Cuidadosamente nós os limpamos minuto a minuto
E não deixamos nenhuma poeira ali pousar.

Os outros monges ficaram maravilhados e decidiram que não poderia haver nada melhor. Entretanto, Hui-neng, passando pelo corredor, perguntou pelo verso que seria lido para ele (ele não sabia do teste de Hung-jen), e ditou seu próprio poema:

A árvore Bodi não existe
Nem sequer um espelho brilhante.
Já que tudo é vazio
Onde pode a poeira pousar?

Todos ficaram surpresos, e o mestre, reconhecendo que este era o trabalho de alguém que verdadeiramente entendeu a essência da mente, apagou-o, temendo que pudesse expor Hui-neng à indignação dos monges com ciúmes, por lealdade a Shen-hsui. Hui-neng tinha sido convocado para ver o mestre naquela mesma noite. Ele tinha recebido o manto e a tigela (que se dizia terem pertencido a Bodhidharma), e tinha sido avisado para seguir para o sul. Durante quinze anos, Hui-neng ficou no anonimato até decidir que já era a hora certa de revelar que ele era o Sexto Patriarca. A escola do Zen por ele fundada passou a ser conhecida comq Escola do Sudeste, e a de Shen-hsui — que aos poucos iria desaparecer —, como Escola do Nordeste.

Tal era a genialidade de Hui-neng que, com grande capacidade, transmitiu o Dharma para 43 sucessores! Daí em diante, apareceram muitas linhas diferentes de transmissão do Zen, sendo que essa foi a semente para o desenvolvimento das duas principais seitas Zen no Japão: a Soto e a Rinzai.

A Dinastia T’ang (620-906) foi a Idade de Ouro do Zen na China. Ela produziu grandes mestres, como Joshu (778-897) e Nansen (748-834), e as estórias e casos desses mestres foram reunidas em coleções como a Mumokan, Hekiganroku, Shoyoroku e Tetteki Tosui, e estudadas pelos discípulos do Zen até os dias de hoje. Um dos maiores professores e que gozou de maior influência, nessa época, foi Lin-Chi.

Extraído de “Elementos do Zen” de David Scott e Tony Doubleday