Batalha Zen

Thich Nhat Hanh

Comentário 1
O Prefeito Wang vinha com freqüência estudar a Sen­da com o Mestre Linji, trazendo consigo outros políticos, intelectuais ou conselheiros. Ele convidava o mestre zen a ascender à cadeira do Darma, isto é, convidava-o a dar um ensinamento. Podeis imaginar isto. Todos os monges permaneciam de pé, enquanto o prefeito e seus acompa­nhantes se sentavam. Assim se fazia então; somente os hóspedes ilustres eram autorizados a tomar assento.

Depois de subir, o mestre dizia: “Hoje, embora contra a minha vontade, eu segui o costume e tomei assento aqui em cima”. Com isso ele estava dizendo: “Não quero fazê-lo, não quero subir ao trono do Darma e desempenhar o papel de um mestre zen. Não gosto disso. Mas estas pessoas esperam que o faça, portanto devo fazê-lo”.

Por que o Mestre Linji não queria dar uma preleção sobre o Darma? Talvez achasse que não podia satisfazer as expectativas dos presentes. Não que ele não tivesse a capacidade ou inteligência para isso, mas sabia que o prefeito e seus acompanhantes estavam esperando coisas que ele não podia dar-lhes. Eles queriam conhecimento sobre o Budadarma, como alcançar a iluminação. E o mestre sabia que por mais que eles estudassem e escutassem seu ensinamento, este não poderia transformar suas aflições – sua ânsia, sua ira e seu ódio. Logo, proporcionar-lhes mais conhecimento não era algo que ele quisesse fazer.

O Mestre Linji concordou em subir ao assento e ensi­nar, mas não da maneira que os presentes esperavam. Ele não queria satisfazer as expectativas deles, pois sabia que isso seria inútil. Portanto, não falou formalmente sobre a grande realização da escola zen. Sabia que o que o público procurava não podia ser alcançado mediante palavras e conceitos. Se oferecesse conhecimento quando o que se esperava era conhecimento, ele sairia do domínio do mestre zen, do “bom amigo espiritual”. O Darma não é um tema de conferência. Se o que se quer é adquirir conhecimento com palestras e livros, basta ir a uma universidade ou a um instituto budista e obter um doutorado em estudos bu­distas. Mas não é isto o que oferecemos no templo, no centro de prática. O Darma é questão de respirar, caminhar, comer e viver cada momento em paz e alegria. Mestre Lin-ji sabia que se abrisse a boca para falar, suas palavras não ajudariam. Logo, tudo o que podia fazer era sentar-se ali e sorrir. Mas se continuasse assim, eles não saberiam onde achar uma base sólida, e o prefeito já fizera seu pedido tantas vezes! Como poderia o mestre ficar sem falar?

Ele perguntou se havia algum guerreiro disposto a entrar no campo de batalha e iniciar uma batalha zen, um diálogo entre mestre e aluno. Talvez desse confronto surgisse uma faísca capaz de acender e queimar o véu da ignorância em nossos corações. Tratar-se-ia de uma exi­bição de força entre mestre e aluno. Talvez houvesse des­truição. Talvez ambos saíssem vitoriosos.

Um monge muito corajoso deu um passo à frente e perguntou: “Qual é o principal significado do Budadar­ma?” Ele quis saber qual é a essência, o coração, a nata dos ensinamentos do Buda. Talvez este monge tenha estudado budismo durante muitos anos e pudesse ministrar belas preleções sobre a essência do Budadarma, mas ele ainda estava confuso e não conhecia a real essência do budismo. Quem é esse monge? Tu és esse monge?

Qualquer praticante do zen que saiba um pouco de budismo poderia responder à pergunta do monge. Poderíamos dizer que o budismo é um modo de ajudar-nos a viver com consciência, paz e alegria no momento atual. Isto nos ajuda a ter concentração, visão interior, a capacidade de estar em contato profundo e de compreender a natureza de não nascimento e não morte da realidade. Destarte, nós podemos superar a dor, o medo e a angústia.

Poderíamos dizer isso tudo e seria correto. Mas seria benéfico para alguém? Será que a pessoa para quem estamos falando poderá realmente pôr isso em prática quando sair da Sala do Darma? Às vezes centramos todo nosso empenho em responder uma pergunta e, mesmo sendo evidente que a outra pessoa escutou, ela recebeu a resposta apenas como uma ideia e não entendeu realmente. Pusemos todo o nosso empenho para tentar apresentar alguma questão, mas essa pessoa não entendeu nem um pouquinho. E quando alguém se levanta para fazer outra pergunta, sentimos uma espécie de desespero: sentimos que fracassamos.

Então, podemos compreender que quiçá o Mestre Linji já tivesse tido o bastante deste tipo de coisa. Em resposta à pergunta do monge, o mestre deu um grito. O grito era como uma espada a decepar a cabeça da pergunta, a eliminar a nossa tendência a procurar perguntas só com o intelecto e a acumular conhecimento. O grito significava muitas coisas: “Tu precisas realmente de outra definição do budismo para compará-la com as definições que já tens? Isso te ajudará? Eu não sou um vendedor de de­finições. Não tentes comprar essas coisas de mim. Não sou um mercador. Compreendes?” Em resposta, o mon­ge se prostrou. Não sabemos se ele compreendeu ou não. Não sabemos como ele foi depois. Seu gesto de prostrar-­se pode ter sido iluminação ou pode ter sido medo; não temos como saber.

Do livro: NADA FAZER, NÃO IR A LUGAR ALGUM
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