A luz dentro da escuridão

A LUZ DENTRO DA ESCURIDÃO
Zen, alma e vida espiritual
de John Tarrant
Editora Rocco

PREFÁCIO
A partir das primeiras páginas, das primeiras frases, fica óbvio que A luz dentro da escuridão é um livro profundamente original e importante. Pode-se sentir a excelência da reflexão de John Tarrant em sua inteligência verbal finamente elaborada, que não se apega a abstrações e atua junto à essência. Com uma prosa rica de coisas deste mundo e um discernimento afiado por vinte e cinco anos de intensivo aprendizado zen, Tarrant criou nem tanto uma síntese quanto uma esplêndida reconcepção das grandes tradições interiores do Oriente e do Ocidente. Ele faz o levantamento da paisagem da vida interior e conduz-nos em uma viagem por ali, de modo que podemos sentir-lhe o terreno sob os nossos pés, contemplar-lhe os abismos e deitar-nos sob suas estrelas.

Este é um belo e apaixonado livro, meticulosamente direto. Não conhece a noite de maneira superficial, mas sim intimamente; é despretensioso, porém radicado na sabedoria essencial:

pessoal, porém inspirado pela força do que está além da personalidade, As categorias comuns da psicologia parecem aqui irrelevantes. A essa profundidade, a própria psicologia é o reverso da teologia, e o misticismo é tão trivial quanto o copo de suco dc laranja na mesa do café da manhã. Aqui, a originalidade é, em grande parte, uma questão de voltar às origens:nconhecer o lugar de onde todos nós começamos.

Tarrant não é o primeiro autor a distinguir entre olmo e espírito, duas palavras que são vagamente sinônimas, tanto nas línguas antigas quanto no uso corrente. Mas ele ampliou e esclareceu essa distinção e, ao fazê-lo, deu-nos novas palavras. Ainda mais importante, em uma época em que a moda é favorecer a alma em detrimento do espírito, ele tratou ambos os lados da dicotomia com sua respeitosa atenção, “uma atenção tão perseverante que se torna uma espécie de amor”. Essa imparcialidade permite-lhe penetrar profundamente na divisão que qualquer dicotomia cria. Ansiamos não só pelo que a alma anseia —profundidade, escuridão, corporificação, a poesia e o turbilhão deste mundo, qualquer elemento que nos permita sofrer e amadurecer —, como também pelos anseios do espírito — por luz, pureza, ausência de nascimento e morte, o deslumbramento do verdadeiro discernimento, o conhecimento inabalável da nossa identidade primordial. Não podemos afundar, a menos que estejamos dispostos a subir, já que o caminho para cima e o caminho para baixo são o mesmo.

Tampouco podemos falar de espírito e alma de maneira proveitosa se levarmos as palavras excessivamente a sério. Em última análise, elas são apenas um modo de falar, como Tarrant sabe perfeitamente. Uma das deliciosas ironias do livro é o fato de Tarrant ser mestre de budismo, que começa pela percepção fundamental de que não existe uma coisa como alma, espírito ou eu. Não existe tal coisa? Mas essa coisa inexistente sorri para nós e exige-nos atenção, como o “sorriso largo sem um gato” que sorri para Alice, de outro transmissor de não-direções.

A viagem que Tarrant faz conosco conduz à iluminação e além da iluminação. Nessa viagem, avançar significa soltar. Não é tão árduo assim ser iluminado; o difícil é continuar renunciando ao nosso senso do mundo, para que o mundo possa chegar até nós nas suas próprias condições, com sua vasta, implacável e amorosa inteligência. No final da viagem, voltamos às coisas mais simples com reconhecimento e gratidão imensos, reconhecimento e gratidão que espero que todos sintam ao chegar às últimas páginas deste livro.

STEPHEN MITCHELL