Seis palestras-darma

de Daigyo Moriyama Rosh

13 de setembro, 1994

Falarei hoje sobre Buda, que foi um príncipe indiano e se rebelou contra as correntes religiosas de seu tempo, o hinduísmo e o bramanismo. Ele se insurgiu contra a hierarquia e o elitismo que existiam nelas. Como todas as religiões, o budismo tem uma história cíclica: nasceu, se desenvolveu e se hierarquizou. E quando isto acontece com uma religião, ela perde sua vitalidade, perde o verdadeiro espírito do Dharma. Mas o Dharma continua existindo, com sua criatividade faz com que surjam novas tendências e abordagens religiosas, e assim se revitaliza.

Buda não fundou uma religião. Simplesmente passou a viver e atuar de outra maneira quando se iluminou. As pessoas, percebendo isto, começaram a segui-lo e a querer viver como ele. Quando chegou à China, o budismo foi aceito pelos imperadores, que construíram muitos templos, imagens, estátuas, e assim o institucionalizaram. E o espírito do Dharma foi esquecido. A origem do zen está em Bodidharma, que vindo da Índia encontrou essa situação, afastou-se dela e foi viver nas montanhas pouco povoadas. Os primeiros monges zen viviam procurando a autenticidade, o primitivo espírito do Dharma. Acho que os monges zen modernos também buscam a autenticidade. Eles são como novos hippies, anti-establishment, e por isso existe neles a energia do Dharma.

Eu também quero trabalhar assim. Recebi este estranho título de sokan, chefe do soto zen, não para tentar expandir o zen, mas para continuar com a minha prática. E eu quero praticar, gosto da prática, gosto de zazen e gosto de ajudar as pessoas que querem praticar. O ano passado, quando vim assumir meu templo na comunidade japonesa de São Paulo, surpreendi as pessoas. Penso que elas esperavam encontrar uma alta autoridade religiosa, ricamente vestida, com belas túnicas, e me viram chegar com uma mochila nas costas. E eu continuo assim, vou de minha casa para o templo diariamente com a mochila nas costas, e as pessoas ficam espantadas comigo. Mas eu quero ser monge. E é por isso que gosto de Porto Alegre. Aqui encontrei este mesmo tipo de prática. E apesar de ser um homem muito ocupado com questões administrativas, com dinheiro, com cerimônias e funerais para oficiar e um templo para cuidar, e mesmo tendo minha vida privada, venho a Porto Alegre e aqui estou novamente.

Gostaria de lembrar que existem três pontos essenciais no zen: a sabedoria, o samadi e os preceitos. Se a prática for mantida, se fizermos zazen, naturalmente os preceitos serão seguidos e naturalmente a sabedoria virá e irá se aprofundando.

14 de setembro, 1994

Ontem falei sobre Buda, hoje falarei sobre Dogen.

Dogen tem a mesma importância, para os budistas japoneses, que Buda teve para o budismo na Índia. Ele começou a ensinar há 750 anos. Quando jovem, teve muitos mestres japoneses, mas nenhum o satisfez. Era um intelectual e os velhos budistas japoneses eram eruditos, mas faltava-lhes o verdadeiro espírito do zen. Os japoneses não liam o páli nem o sânscrito. Por isso, iam à China procurar ensinamentos traduzidos para o chinês. Dogen tinha 24 anos e estudava com um mestre da escola Tendai, em Kioto, quando resolveu abandonar tudo e ir procurar um professor de budismo na China. Suponho que atingiu a iluminação, reconhecida por seu mestre, e então voltou para ensinar no Japão. E com a volta de Dogen, o budismo japonês foi ficando cada vez mais forte.

Naquela época existiam várias correntes budistas — terra pura, nichirem e outras — que se desenvolviam em torno de um sutra trazido da China e transformado em texto sagrado. Dogen trouxe da China uma abordagem diferente, que aprendeu com a genuína prática monástica do dia-a-dia. Como o Zuimonki-Shobogenzo está para ser publicado em português, vocês poderão ler, em breve, os ensinamentos de Dogen sobre a vida monástica, anotados por seu discípulo Ejo.

Vocês, estudantes de zen, conhecem e vivenciam a principal prática da vida monástica, o zazen, e com ela conseguirão atingir a essência deste tipo de vida. Essa prática irá desenvolver todos os níveis de sua atuação, sua compaixão, sua energia, sua inteligência e intuição. Todas essas qualidades serão refinadas. Estou dizendo isso baseado na intuição, não sou um erudito, mas a prática irá melhorar a sua capacidade de adaptar-se, de estar alerta, atento e autoconfiante. Aos poucos, essa capacidade leva a uma forte integridade de caráter e a um aprofundamento da sabedoria. Praticando a religião, cada um de vocês vai se tornar um ser humano cada vez mais completo.

15 de setembro, 1994

Hoje vou falar sobre os mosteiros zen do Japão e sobre como fui para o mosteiro de Eihei-ji depois que recebi a ordenação de meu mestre. No soto zen existem várias regras, e quem deseja se ordenar monge deve seguir várias etapas de treinamento. Quando eu era estudante universitário de filosofia, não levava os estudos muito a sério. Estudava, mas não tinha talento especial para essa matéria. Meus professores vinham sempre com textos em inglês, francês, latim, grego, sânscrito, mas nunca em japonês. Eu gostava de usufruir a vida, gostava de arte, de música, de literatura, e assim passei pela universidade, mas quando me formei tive que tomar um rumo na vida. Estudando filosofia hindu e budismo, eu ficara muito interessado pelo budismo primitivo e o zen.

Comecei, então, a prática de zazen. Eu queria conhecer aquela prática. Naquela época, existiam muitos grupos de zen, muitos mestres, mas nem todos eram bons mestres. No último ano da universidade visitei vários deles, até que um amigo me levou a um, não muito famoso, mas que era o mestre que foi meu mestre. Meu primeiro encontro com ele me deixou uma impressão muito forte. Nenhum dos outros mestres que eu conhecera era como ele. Seu templo era pobre, ele era um profundo conhecedor do Shobogenzo e praticava a disciplina estrita, os preceitos, o celibato, a mendicância, e lá pude começar a compreender o zen de Dogen, que era muito diferente de nossa vida moderna, era uma vida simples que eu não encontrara em nenhum outro lugar. Com meu mestre compreendi que este outro tipo de vida era possível, que existia o tipo de vida descrito por Dogen. Decidi de repente ser seu discípulo, pedi que me aceitasse e ele concordou. Minha família foi contra essa decisão. Disseram que eu não tinha sido um bom aluno, que não tinha sido um bom estudante, que eu estava louco. Mas continuei com minha escolha e pouco depois meu mestre me mandou para o tangaryo. (Antes de entrar para um mosteiro, deve-se ficar sete dias em uma pequena sala anexa, fazendo determinadas práticas.) Antes, quando era estudante, eu lia até tarde, ficava ouvindo música, ia dormir às três da manhã. No mosteiro minha vida se inverteu totalmente. Lá, a disciplina era muito rigorosa, o regulamento muito estrito, eu dormia de quatro a cinco horas por noite e passei a acordar no horário em que antes ia dormir. A lembrança que me ficou desse mosteiro é de que eu estava sempre com fome, sempre com sono e sempre trabalhando demais. O treinamento era muito duro e havia estranhas regras, como levantar às três e ficar até as dez da noite fazendo zazen. Podia-se ir ao banheiro e comia-se três vezes ao dia. Foi um teste duríssimo. Esse treinamento especial durava sete dias, mas o monge chefe me odiava e me fez fazer três dias a mais. Na época, meu zazen era muito ruim, zazen de diletante, em que as pernas doem tanto que a dor vai subindo até o abdome, vai para o tórax, depois para a cabeça e aí começa a doer o corpo inteiro.

Comecei a ter alucinações, a ver coisas ao meu redor. Uma vez vi uma flor brotando e crescendo na minha frente. Ela ia crescendo aos poucos. Pensei que estava iluminado e fui contar para o monge chefe, que me deu uma forte bordoada com o kiosaku e disse: “Você está louco, isso não é iluminação.” Depois de dez dias desse treinamento, recebi autorização para estudar normalmente no mosteiro. Mas eu me sentia enfraquecido, estranho, tonto. Um dia, lavando o rosto, vi refletida na água a face de um animal que parecia um lobo. Olhando melhor, percebi que era a minha face e que eu estava mudando.

As refeições no mosteiro eram arroz com gergelim e sal pela manhã, sopa de arroz com legumes ao meio dia e, à noite, sopa de massa com algumas verduras. Eu me sentia muito fraco e doente, como se estivesse convalescendo num hospital. Um dia, quando eu estava a ponto de desmaiar, o monge chefe me trouxe um pequeno copo com uma bebida deliciosa. Meu corpo estava dolorido e insensível e tive a sensação de nunca ter bebido nada tão doce, tão maravilhoso, como um néctar divino. Perguntei ao monge que bebida era aquela, e ele respondeu que era um pouco de água morna com açúcar. “Ah”, pensei, “então é isto o que estou bebendo…”.

Essas são apenas algumas das muitas experiências que tive em tangaryo. Só quis lhes falar sobre elas para mostrar como minha vida mudou, como houve uma grande transformação depois do meu encontro com o zen. Amanhã falaremos mais sobre o Darma.

16 de setembro, 1994

Depois de um ano em Eihei-ji, passei mais cinco anos em outro mosteiro, o Soji-ji, e então meu mestre recomendou que eu fizesse um curso especial para ser mestre. Aos poucos, comecei a ensinar o zen e o zazen, e como estávamos perto de Yokohama e de Tóquio, apareciam muitos estudantes para visitar o templo e aprender zazen. Minha função passou a ser a de me relacionar com pessoas de outros países. Percebi, então, que havia entre os estrangeiros um grande interesse pelo budismo. O zen de Dogen começou a me interessar cada vez mais, e percebi que havia algo de universal no budismo.

Então fui visitar a Índia, a terra do Buda Sakiamuni, e visitei alguns lugares importantes em sua vida. Fui ao lugar onde ele nasceu, onde se iluminou, onde fez seu primeiro sermão e onde morreu. Tive uma impressão muito forte destes quatro lugares sagrados. Encontrei lá peregrinos de todas as partes do mundo e de todos os ramos do budismo: tibetanos, teravadas, chineses, pessoas de Cingapura, do Ceilão, etc. E em nenhum lugar que visitei encontrei tantas pessoas interessadas no budismo como lá. Quero recomendar a vocês que visitem os lugares sagrados de Buda. Comecem a guardar um pouco de dinheiro para poderem fazer essas visitas. Também desejo, se estudarem Dogen, que visitem o Japão, Eihei-ji, mas penso que é mais importante visitar a Índia. Ao visitar o primeiro templo de Buda, senti uma grande tristeza porque ali encontrei apenas ruínas, apenas os alicerces do que fora o templo. Agora há poucos budistas na Índia, e eu me perguntei por quê. Depois da morte de Buda muitas coisas mudaram, e o budismo migrou para outros países. Claro que houve um motivo, por um longo tempo a Índia se tornou muçulmana. E aquele sentimento de estranha tristeza ficou em mim, mas então entendi que o próprio Buda ensinou a impermanência, e compreendi a situação da Índia. Compreendi que o budismo não existe mais lá, mas existe no Ocidente, na América Latina, no Brasil, aqui em Porto Alegre. Então senti que estava tudo bem, que aquilo era apenas um sentimentalismo meu.

Hoje, na Índia, Buda é considerado apenas um santo, mas não aquilo que realmente foi, o maior de todos os seres de sua época. Para os indianos, ele é apenas uma entre tantas divindades de sua longa história religiosa. Hoje falei sobre minha primeira visita à Índia, que é um país muito grande, muito interessante e muito religioso. Mais tarde, quero falar especificamente sobre zazen e sobre o seshin de amanhã.

17 de setembro, 1994

Estamos praticando em Porto Alegre e esta é uma experiência nova para mim. Nos países budistas o espírito do budismo vem se perdendo, e por isso falo que as religiões nascem, crescem e depois decaem, como está acontecendo no Japão de hoje. Em 1970, eu estava em San Francisco, na Califórnia, e via os americanos buscarem experiências diferentes, hippies praticando zazen, ioga e outras técnicas de meditação. A impressão que tenho é que aqui no Brasil se dá algo semelhante ao que assisti nos Estados Unidos. Claro que a situação atual do Brasil não é a mesma da Califórnia de então. Estamos em 1994, muito mais internacionalizados, o transporte é mais fácil, os meios de comunicação são mais eficientes. Os brasileiros têm muita sorte. Eles estão praticando o budismo. Hoje pela manhã, depois do zazen, quando ouvi cantar Dai, sai, ge dap-puku, por um momento me senti no Japão, porque todos cantavam em japonês. Então lembrei que estava no Sanguen Dojo de Porto Alegre, fundado pelo reverendo Tokuda, que conheci trinta e três anos atrás, na universidade. E senti que isto aqui deveria ser conservado. Esta é a minha idéia do Brasil, onde existem traduções dos cânticos para o português mas vocês cantam em japonês, o que sugere ligações muito fortes com o Japão. E tudo isso me faz pensar que vocês têm muita sorte. O Centro de Estudos Budistas aqui de Porto Alegre está certamente criando um novo budismo. Penso que precisamos de dois tipos de energia para estudar o budismo, a primeira para os velhos países budistas, a segunda para países novos como o Brasil. E o budismo aqui tem um novo espírito, algo novo está surgindo aqui, como vi acontecer na Califórnia na década de 70 com Shunryu Suzuki Roshi, onde foi desenvolvido um budismo único num país onde antes o budismo não existia.

Nasci no Japão, país de longa tradição budista. Aprendi com muitos mestres zen um budismo cheio de cerimônias, técnicas e outras coisas. Mas nos países novos sinto-me renovado, forte. Aqui existe uma energia que não encontro no Japão. Lá tenho o meu templo, muitos discípulos, mas não é a mesma coisa. A energia aqui é uma energia nova.

Passei de 1970 a 1973 na Califórnia e voltei ao Japão. A experiência de três anos nos Estados Unidos me deu um grande impulso e eu quis começar um novo Centro Zen Internacional no Japão. Assim, dezessete anos atrás, construí meu templo perto do Monte Fuji. Agora estou em Porto Alegre pela segunda vez e me sinto muito feliz em poder aprofundar o sentido do Darma com todos vocês.

Hoje recebi a notícia de que vocês vão iniciar trabalhos de construção para ampliar o zendo. Com o tempo, acho que vocês poderiam ter uma casa nas montanhas. Eu tive experiência com a construção de três casas nas montanhas. A primeira delas foi no Japão, onde tenho amigos e algum apoio, e lá nós compramos, perto do Monte Fuji, uma casa muito simples, sem eletricidade, sem telefone, sem água corrente, onde bebemos água no regato. Quando estou no Japão passo lá os fins-de-semana, com uma dezena de discípulos que têm de viajar uma hora e meia de trem, de Tóquio à montanha, e depois subir a montanha. Os estrangeiros ficam lá mais tempo, de três a seis meses. Joshin Sensei, que esteve aqui em Porto Alegre, ficou lá quatro anos. Minha segunda experiência foi na França, com Joshin. Nós não tínhamos muito dinheiro e queríamos um local não muito caro. Começamos a procurar pelas fazendas antigas, até que encontramos uma casa, e os discípulos foram chegando. Nós a reconstruímos por dentro, e isso levou muito tempo. Era uma casa de pedra, de trezentos anos, e este tipo de casa é difícil de reformar. Para recolocar uma janela são precisos três meses de trabalho. Eu gosto mais das casas de madeira, que são mais fáceis de arrumar. As pessoas da Sanga querem ajudar no trabalho, elas pensam “Este é o meu dojo”, e todas trabalham voluntariamente. Isso foi o que vi acontecer no templo de Joshin.

Minha terceira experiência foi em San Francisco, em Oakland, perto da Universidade de Berkeley. Um amigo meu, o reverendo Akiba, quis construir um templo e decidiu fazê-lo no estilo japonês. Precisava de um carpinteiro japonês especializado, porque estas construções têm aspectos complicados, como os telhados curvos, que necessitam de peças especiais. Muitas tiveram que ser feitas no Japão e remetidas para lá. Mas a experiência não foi tão boa. O templo de estilo japonês é lindo e consumiu muito dinheiro, mas não pertence à paisagem americana. É um prédio bom para os turistas tirarem fotos, como alguns restaurantes chineses que vi por aqui, com prédios em estilo chinês que destoam e não pertencem à cultura local. A experiência na França foi diferente, é uma casa antiga que foi reformada, de fora ninguém sabe que é um zendo. Mas lá dentro se pratica o Darma. Não se preocupem com belos edifícios, reconstruam casas velhas, sejam simples, o que importa não é o prédio em si, mas o Darma que se pratica dentro dele.

18 de setembro, 1994

Estou muito feliz por estar aqui fazendo este seshin com vocês. Esta manhã, depois do zazen, compus um haiku:

De manhã cedo

Ouvi o galo cantar

Senti o silêncio

Há mais de 30 pessoas praticando o shikantaza, mas o canto do galo não nos atrapalha.

A impressão desta minha segunda visita e da prática com vocês é a de que somos velhos amigos no Darma. Não posso expressar com palavras o sentimento de intimidade que me envolve. Isso significa que nós temos a mesma mente, a mente que procura; que temos as mesmas idéias e a mesma esperança. Por isso tenho este sentimento de que temos a mesma vibração. O que quero dizer é que há um tipo de fusão, de integração de uns com os outros. Hoje é um dia muito precioso para vocês e para mim. Nós todos já fizemos muitos seshins, mas aqui, hoje, há mais de trinta pessoas e é muito importante para o Sanguen Dojo e para o Darma que estejamos todos aqui reunidos.

Há trinta e dois anos eu era como vocês, estudante do zen, e tinha questões e objetivos que queria resolver. Naquela época eu não era um bom estudante, e nem bom budista. Só queria respostas para os meus problemas. Se vocês praticarem zazen sem objetivos pessoais, o interesse de vocês vai se dirigir para o aspecto religioso da prática. Nesta minha visita, senti que os praticantes de zen estão ficando mais fortes. Quando se estuda é preciso ter um bom professor. Vocês já tiveram o reverendo Tokuda e também Narazaki Roshi, que esteve no Brasil. Um bom mestre nos dá uma confiança maior no Darma. Se praticarmos sem um bom mestre nossa caminhada será insegura, não será reta e ficaremos cambaleando pelo caminho. Com um mestre, podemos estudar budismo de uma maneira mais personalizada. Cada um tem necessidades diferentes. Como o médico que diagnostica individualmente cada doença, o mestre diagnosticará o problema de cada mente. O zazen também vai clarear a nossa compreensão. Eu quero continuar a prática com vocês.

Quando me tornei um monge budista, depois de compreender o Darma e receber a transmissão de meu mestre eu lhe disse: “Atingi meu objetivo, que bom, agora sou um monge budista”. Meu mestre respondeu: “Muito ao contrário, agora é que você está começando, agora é o começo de tudo.” Quando perguntei quando iria me formar ele respondeu, “não existe formatura em budismo, você nunca vai se formar, este é o caminho do bodisatva”. E assim é a prática — sempre iniciando, somos sempre principiantes. E isso não é apenas para mim, para vocês é a mesma coisa, por isso temos que fazer o esforço constante de um bodisatva, o esforço que nunca termina. O que estou querendo dizer é: tentem tirar o maior proveito possível do Darma, tentem usar bem o Darma.

Tenho, no Japão, muitos alunos de zen, pessoas sérias, que viajam uma hora e meia de trem até a montanha e outro tanto a pé para chegar ao templo. Mas noto que quando retornam a Tóquio nem sempre são bons maridos, bons filhos, e que sua prática em casa não é tão séria quanto sua prática no templo. Lembro de um aluno meu que gosta muito de beber sake e que me disse: “Zazen é bom para mim porque durante os dias em que estou aqui eu paro de beber. Quando volto para casa bebo e o gosto do sake é delicioso. É por isso que venho a este templo”. Tudo bem, este é um problema pessoal deste aluno, é um questionamento que ele faz a si mesmo. Fico feliz porque o budismo é bom para ele. Mas a verdadeira prática não é separar a experiência da vida cotidiana da experiência da prática, pelo contrário, é aproximar as duas. O zazen leva as pessoas a transformarem o seu cotidiano. O que vou contar agora não é um bom exemplo do que estou dizendo. Um famoso mestre zen no Japão deu um seshin muito rigoroso, e ao terminar disse: “Que bom que terminou o seshin. Agora vamos fazer uma festa, agora vamos beber.”

É muito bom podermos ir até o fim de um seshin, mas para mim o seu objetivo é podermos continuar a prática no dia-a-dia. O sentimento que devemos ter é o de que na próxima vez faremos um seshin melhor ainda. Eu me sinto muito feliz, estou sentindo a alegria do Darma porque estou vendo um bebê aqui no zendo. Meus pais poderiam ter me levado a um seshin quando eu era criança. Mas eu comecei muito tarde no budismo, aos vinte e quatro anos, e por isso estou contente com esta presença. Este fato é muito auspicioso, estou cheio da alegria do Darma.

Hoje foi o melhor dia que tive desde que estou no Brasil, há um ano e quatro meses. Isto significa que a maneira como vocês praticam o Darma foi um verdadeiro presente para mim. Espero repetir esta experiência muitas vezes, e quero lhes dizer, para encerrar este seshin, muito obrigado.



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