Praticando além do eu

Texto de Shundo Aoyama,
extraído do livro
Para uma pessoa bonita

Nos templos Zen, se diz: “Quando toca o hou1, vá para o refeitório. Quando toca o sino, vá para a sala do Darma”. O som do hou é o sinal para a refeição; o toque do sino é o aviso para a leitura dos sutras2. Os mosteiros Zen se movem através dos sons dos instrumentos, dos sinais acústicos. Quando se ouve um destes sinais, devemos obedecê-los imediatamente.

Ainda que estejamos empenhados em algum trabalho, ao ouvir o toque do instrumento obedecemos imediatamente, mesmo que isso signifique deixar nosso serviço inacabado.

Parece simples, mas na realidade é muito difícil. Poderemos pensar: “falta só um pouquinho para terminar” ou “agora não posso parar”. Mas é exatamente aqui que se manifesta nosso egoísmo, que se preocupa apenas com nossas opiniões pessoais e nossa própria comodidade. O que “eu” estou fazendo, o que “eu” penso, o que “eu” quero – tudo isso vem à cabeça.

Sempre digo às unsui3:

“Os sinais são ordens categóricas. Quando a morte vier lhes buscar, é possível dizer ‘espere um pouco’? Ouvindo os sinais, devemos dizer ‘sim’ sem hesitação, sem pensar em nosso próprio eu. Esta é a postura correta.”

O Mestre Dôgen dizia: “Pode-se fazer tanto zazen que o chão venha a se quebrar, mas se não formos além do ego, o zazen não serve para nada”.


1Hou – instrumento acústico de madeira em forma de dragão ou peixe colocado no gaitan (área externa) da sala de meditação, geralmente usado para anunciar o início das refeições formais.
2Sutra – textos budistas que explicam o ensinamento de Buda, reportando as transcrições de seus discursos.
3Unsui – literalmente: nuvem e água – nome dado aos monges e monjas em treinamento.