Vivendo Juntos em Harmonia

Thich Nhat Hanh
Retiro em Upperr Hamlet
11 de julho de 1998
Transcrito e editado por Carol Fegan, Chan An Cu
Revisado por Brendan Sillifant
Traduzido ao Português por Claudio Miklos.


Sumário da Irmã Annabel sobre a translação de Thay para as crianças:
Duas jovens, uma representando a América, outra representando a Europa, estavam falando sobre a felicidade nas suas vidas diárias, as dificuldades que elas encontram diariamente, e as coisas que elas querem realizar. A menina que representava a América do Norte disse que quando ela ouvia o canto dos pássaros de manhã, isso lhe trazia felicidade. Quando ela encontrava suas amigas, seus entes queridos, sentia-se feliz. Quando ela estava em contato com o que é maravilhoso no momento presente, ficava contente. A sua dificuldade é que era puxada para o passado. O sofrimento que ela experimentou no passado parecia aprisioná-la, e bloqueava seu mergulho profundo na felicidade do momento presente. Outra dificuldade que tinha é que tudo era impermanente, mas ela não queria que nada mudasse, do seu corpo até sua alma, sua mente, as coisas ao seu redor, ela queria que ficassem exatamente como são, mas a verdade é que tudo vem a ser impermanente e mutável. A menina que representava a Europa disse que quando chegou aqui ela sentiu muita felicidade, mas que teve uma dificuldade muito grande: seu pai e sua mãe sempre estavam brigando. E toda vez que isso aconteceria ela sofria muito. Ela realmente queria falar para o seu pai e sua mãe que os ama muito, e disse-lhes: “Não me façam sofrer mais.” Isso era seu desejo mais profundo. A menina dos Estados Unidos também disse que um dos seus mais profundos desejos é poder falar para seu pai que o amava. A menina da Europa disse que quando chegou aqui quis poder praticar para ser forte o bastante e assim falar aos pais que eles não deveriam brigar mais. Parecia tão fácil.

Se nós viermos aqui e praticarmos seremos capazes de fazer isso — nós poderemos contar para nossos pais o que nós precisamos lhes falar. Assim, por favor sorriam e respirem, escutando o sino: “Inspirando. Eu sei que eu estou em Plum Village com todos os meus amigos; expirando, eu sorrio para Plum Village e todos os meus amigos “.

(Três sinos)

Querido Sangha, hoje é o décimo nono dia de julho, 1998. Nós estamos em Lower Hamlet, e a palestra de Dharma será em [linguagem] Vietnamita. Alguém perguntou, “você pode me dizer o que é um pai ideal?” Alguém mais respondeu, “Um pai ideal é alguém que sabe amar a Mãe e como fazer a Mãe feliz.” Esta parece uma resposta muito simples, mas também é muito profunda. Do que precisa uma criança mais que tudo? Ela precisa de dinheiro para comprar presentes, ela precisa de dinheiro para comprar brinquedos? Do que precisa uma criança mais que tudo? O que uma criança precisa mais que tudo é do amor de seu pai. Existem muitas crianças que têm muitos brinquedos e muito dinheiro, mas elas não estão contentes porque o seu pai sempre está fazendo sua mãe sofrer, e freqüentemente tais crianças são muito tristes. Elas querem fugir, porque a atmosfera na família é muito pesada, como a atmosfera antes de uma grande tempestade. A atmosfera é de sofrimento, na casa e na família, e o Pai provoca esta atmosfera quando ele faz a Mãe sofrer. Assim a criança quer fugir, mas para onde ele ou ela podem correr? Antigamente nós poderíamos ter tido uma casa e um jardim agradável, com um pequeno lago, com bastante espaço, e a criança poderia correr para o jardim e poderia se sentar junto ao lago, ou correr para um vizinho, buscar uma tia ou um tio no vilarejo… mas agora podemos estar vivendo em um alto edifício de apartamentos, e a criança neste ambiente não tem nenhum lugar para onde correr — há só um lugar, e é o banheiro ou armário, fugir para lá e fechar a porta. Esta atmosfera sufocante, pesada, destrói e desgasta a criança, assim ela quer fugir, e ela não sabe onde ir, assim entra no banheiro e grita para ela própria. Mas até mesmo no banheiro ela não se sente segura, porque ainda pode ouvir as vozes da Mãe que chora ou do Pai falando.

As crianças que vivem diretamente no meio de tal atmosfera não pode crescer de um modo suave e bonito; é como a árvore no jardim quando não há nenhum raio de sol, nenhuma chuva ou nenhum jardineiro para cuidar dela. Quando tal árvore cresce, também tem que ter uma família: tem que ter uma esposa, um marido e filhos. Mas não sabe fazer a família feliz, porque quando criança não aprendeu isso do Pai. A criança não sabe amar a Mãe, como cuidar da Mãe. O pai não soube cuidar da Mãe, e porque a criança nunca viu o Pai cuidar da Mãe, ela não pôde aprender como amar. Quando aquela criança se casa ela ou ele repetem os enganos do Pai ou da Mãe, e estes enganos novamente provocam sofrimentos para seus entes queridos. Isto é o que nós chamamos Samsara; significa o ciclo de renascimentos que nunca tem um fim, e de uma Paição para a próxima este sofrimento continua sendo passado. Só quando nós podemos estar em contato com os reais ensinamentos e aprender modos de prática é que seremos capazes de quebrar este ciclo de sofrimento chamado Samsara.

Quando as crianças vêm a Plum Village, elas podem aprender modos de quebrar este ciclo, de forma que possam fazer surgir uma nova área na qual o pai terá a capacidade, a arte de trazer felicidade, cuidado e amor à esposa. Muitas pessoas jovens dizem que o presente mais precioso que pais podem dar às suas crianças é a felicidade dos pais. As crianças não precisam muito: tudo dos que elas precisam são os seus pais estarem juntos e felizes, e isso é o bastante para as crianças estarem contentes. Assim, se somos uma mãe ou um pai, temos que saber que a coisa que nossos filhos mais precisam é nossa felicidade, e nossa felicidade com nosso cônjuge. Esse é o maior presente que podemos dar para nossas crianças. E se nossos pais querem fazer um ao outro feliz, deveriam saber praticar o Quarto Treinamento de Consciência [], ao máximo. O Quarto Treinamento de Consciência é a capacidade de escutar profundamente, e falar com suavidade e amorosamente. O Escutar profundamente, a fala amorosa, isto é o que todos os pais precisam aprender, e eles poderão estabelecer a comunicação e não fazerem um ao outro sofrer. Então oferecerão às suas crianças muita felicidade.

Escutar profundamente é algo nós temos que aprender a fazer — nós não podemos fazer isto simplesmente. Quando a outra pessoa está falando ele ou ela está tentando expressar suas dificuldades e sofrimentos, e precisa de nós para escutá-la. Mas se nós não somos capazes de escutar, então a pessoa que está falando não obterá alívio de seu sofrimento, e finalmente deixará de falar. Assim quando amamos alguém, nossa esposa, nosso marido, nossas crianças, nossos pais, nós precisamos praticar o escutar profundamente aquela pessoa. Talvez nosso pai não saiba escutar a nossa mãe, ou nossa mãe não saiba escutar profundamente a nosso pai, mas e nós? Nós sabemos escutar profundamente a nossa mãe e pai? Às vezes dizemos, “Minha mãe não escuta a meu pai, meu pai não escuta a minha mãe.” Mas nós mesmos não escutamos profundamente a nossa mãe ou pai tampouco. Então, a mãe, o pai e a criança, quando eles vão ao templo, quando eles vão ao centro de meditação, tem que praticar o escutar profundamente, porque escutar profundamente é a prática do Bodhisattva Avalokiteshvara. Esta manhã os monges e monjas cantaram o “Elogios Ao Bodhisattva Avalokiteshvara”, aquele que tem a habilidade de escutar profundamente. Por isso ele é chamado Quan The Am: isso significa “observando os sons que vêm do mundo “.

Pessoas que sofrem, que possuem sentimentos profundamente ocultos nos seus corações os quais não são capazes de expressar, precisam de uma oportunidade de extravasar este sofrimento, e se ninguém sentar-se para escutá-los, como eles podem ter a oportunidade de expressar estes sentimentos ocultos de sofrimento? Então precisamos praticar olhando profundamente o interior daquela pessoa, e esta é a maneira de mostrar que nós as amamos. Se somos um pai e queremos escutar a nossas crianças, podemos nos sentar ao lado delas em silêncio, e então dizemos: “Minha querida criança, por favor me fale, você tem alguma dificuldade? Você tem qualquer sofrimento? Por favor me fale. Eu quero escutar e ver se posso ajudar.” O pai fala assim com coração. E se somos uma esposa, e sabemos que nosso marido tem sofrimentos e dificuldades que ele não pôde expressar, nós vamos até nosso marido, e sentamos em silêncio, muito calmamente ao lado dele, e então dizemos: “Meu querido marido, você tem qualquer sofrimento? Você tem alguma dificuldade escondida em seu coração? Por favor me deixe saber dela.” A esposa deve falar assim. Se somos um marido ou um pai e temos sofrido — e todos nós sofremos; alguns dde nós muito, outros um pouco — quando a outra pessoa nos fala assim percebemos que abre-se uma oportunidade para dizer o que queremos. No princípio é difícil falar. Ninguém tentou escutar-nos antes, e agora quando alguém nos convida a falar assim, nós não estamos seguros se realmente devemos acreditar. Mas a esposa, ou quem faz a pergunta, deve ser paciente e dizer, “Por favor, por favor me fale. Pode ter sido por causa de minha falta de jeito, minha ignorância que você sofre, e eu quero ouvir isto. Por favor me diga se faço qualquer coisa tola ou inadequada que lhe faz sofrer. Eu prometo que me sentarei calmamente e em silêncio, e escutarei, porque eu estou praticando como um discípulo do Bodhisattva Avalokiteshvara. Eu não julgarei, eu não reagirei, eu não ficarei com raiva. Meu mestre e meu Sangha me ensinaram como praticar o estado de ser pacífico e calmo, como comer pacificamente, como caminhar pacificamente, como sentar pacificamente, e agora posso me sentar e escutar. Eu não sou mais como era.” Nós podemos tentar persuadir nossos maridos desta forma, assim eles podem falar de suas dificuldades para que possamos ouvir. Se nós somos jovens, não deveríamos pensar que apenas nós sofremos, enquanto crianças. O Pai sofre, o Pai tem dificuldades. Então nós podemos praticar, e podemos dizer, “Papai, eu sei que você é meu pai, mas sei que você tem dificuldades. Às vezes você fica bravo comigo, às vezes você se chateia comigo, às vezes eu não faço o que você gosta, mas isso acontece porque eu não conheço seu coração, eu não sei de suas dificuldades. E agora eu quero ouvi-lo; quero ouvir sobre as coisas que você não gosta em mim, nas quais pensa que posso melhorar. E eu escutarei, escutarei com o coração do Bodhisattva Avalokiteshvara, porque eu fui ao centro de meditação, conheci os monges e monjas, conheci o Sangha e aprendi como me sentar e escutar profundamente. Então por favor, Pai, me fale, e eu serei como o Bodhisattva Avalokiteshvara. Eu me sentarei e escutarei muito atentamente. Eu escutarei com todas as minhas orelhas, não com metade das orelhas, e escutarei com meu coração, porque Avalokiteshvara é aquele que pode escutar com as orelhas e com o coração, e é capaz de escutar em momentos como esse.” Quando a criança escuta ao pai assim durante um tempo, o pai se sentirá muito melhor.

Todos nós temos que praticar na família: mãe, pai, e filho. Nós não podemos escutar profundamente só porque queremos fazer assim, nós temos que praticar primeiro, porque se paramos de escutar no meio do caminho, a outra pessoa pensará: “Que desperdício de tempo!”.

Se estamos escutando e as pessoas nos dizem coisas que são completamente erradas — elas nos entenderam completamente mal –, quando elas descrevem estas coisas, sentimos a sua falta de lealdade conosco, sentimos o seu engano, as ouvimos nos condenando e nos criticando, e enquanto as escutamos [assim], pode acontecer que as sementes de nosso sofrimento sejam regadas por isso. Nós podemos gritar com elas ou podemos fugir, mas se fizermos qualquer uma destas coisas, nós [descobriremos que] não fomos bem sucedidos em nossa prática de escutar profundamente. O Pai e a Mãe são capazes de praticar o escutar profundamente? Se a Mãe e o Pai não têm tido êxito nisso, nós como filhos temos que ajudá-los. Nós temos que escutar o Pai e a Mãe. Temos que provar que nós como filhos podemos escutar profundamente. Nós podemos entender nosso pai, podemos escutar a nossa mãe e entender nossa mãe. E podemos ir até nossa mãe e dizer, “Mãe, saiba que fui até meu Pai, eu o escutei profundamente. Agora entendo o meu Pai, e vejo meu Pai sofrer bem menos. Por favor, Mãe, faça a mesma coisa. Eu vou lhe ajudar a ser capaz de se sentar e escutar o Pai profundamente.”

Se vocês são apenas crianças, podem ser pequenos e não ter grande sabedoria, mas vocês estiveram em contato com Buddha, Dharma, e o Sangha, com os monges e as monjas, e também podem ajudar seus pais. “Pai, você tem procurado escutar a Mãe? Minha mãe tem tantas dificuldades e tristeza em seu coração, muitas coisas sobre as quais você não sabe. Então por favor, pai, escute profundamente a mãe. Eu pratiquei o escutar profundamente minha mãe, e eu sei que você pode fazer o mesmo. Eu o ajudarei. Pai, por favor escute profundamente a mãe, por favor faça isso em silêncio, e quando a mãe disser algo que não é verdade, não fique bravo; apenas respire e escute profundamente para que ela sofra menos. Não escute profundamente para culpá-la ou criticá-la. E se não puder fazer isto ainda, Pai, por favor vá ao centro de meditação e aprenda a meditação andante, aprenda a meditação sentada, aprenda como andar com consciência e comer com consciência, e então em uma questão de dias você poderá praticar o escutar profundamente”.

Escutar profundamente é a prática mais maravilhosa do Buddha e do Bodhisattva Avalokiteshvara, e quando nós dizemos o nome do Bodhisattva Avalokiteshvara, significa que aceitamos Avalokiteshvara como nosso professor. Avalokiteshvara tem a capacidade de escutar profundamente. Então, se somos discípulos de Avalokiteshvara, temos que praticar também o escutar profundamente. Hoje, vocês, crianças pequenas, ouviram isto; lembrem-se das palavras que eu lhes ensinei. Quando o Pai e a Mãe não estão contentes juntos, vocês tem de unir suas palmas e dizer-lhes, ” Mãe, Pai, onde está meu presente? Meu presente é sua felicidade. Se vocês não me derem este presente eu vou ficar muito triste.” Isto será como um [toque de] sino da consciência para o despertar da Mãe e do Pai, e então a Mãe e o Pai tentarão praticar. Quando vocês crianças pequenas ouvirem o som do sino, por favor se levantem, curvem-se, e podem sair. Mas as crianças mais velhas por favor fiquem aqui – só as muito pequenas saem agora.

(Sino)

Hoje, o que eu tentei falar para vocês, crianças, é que aprendam a dizer para seus pais, “Querida Mamãe e Papai, o maior presente que vocês podem me dar é sua felicidade. Por favor me dêem este presente.” (Sino)

Hoje, começamos a aprender sobre um método de como escutar profundamente. Como já sabemos, temos que praticar antes que possamos escutar profundamente. Às vezes podemos traduzir “escutando profundamente” também como “escutando compassivamente”, quer dizer, escutar com compaixão, ou escutar com carinho. Nós ouvimos com um só objetivo; não escutamos para criticar, culpar, corrigir a pessoa que está falando ou condená-la. Nós só escutamos com um objetivo, e este é aliviar o sofrimento daquele a quem estamos escutando. Temos que nos sentar quietos, temos que nos sentar com liberdade interior, e nós temos que estar cem por cento presentes, corpo e mente, e escutar de modo que o outro ou a outra possa aliviar seu sofrimento. Se a outra pessoa diz coisas que não são certas, que são percepções erradas, podemos ter o desejo de responder, dizer, “Isso está errado!” e discutir com ela. Mas nós não devemos fazer isso – nós temos que nos sentar e escutar. Se podemos nos sentar durante uma hora, esta será uma hora de ouro. Aquela hora será uma hora que pode curar e transformar.

Podemos fazer [isso] muito melhor do que vários psicoterapeutas, porque há psicoterapeutas que não aprenderam a escutar profundamente, que não aprenderam a escutar com compaixão. Psicoterapeutas têm seus próprios sofrimentos, talvez muitos sofrimentos, de forma que a sua capacidade de escutar profundamente pode não ser muito grande. Nós não sabemos muito sobre as teorias de psicoterapia, mas nós praticamos o parar e olhar profundamente, praticamos o escutar profundamente, e portanto podemos fazer melhor que psicoterapeutas. Nós usamos o método de escutar profundamente, em primeiro lugar para nossos entes queridos e nossa família, e uma vez que tivermos êxito com nossa família, podemos ajudar nossos amigos. Podemos escutar profundamente de forma que o mundo sofra menos; isso é nossa prática. Claro que psicoterapeutas têm que aprender a escutar profundamente de acordo com a prática para que sejam psicoterapeutas realmente bons.

Quando podemos escutar profundamente, quando nós sabemos fazer isto, quando sabemos falar amorosamente também, isso terá a função de reavivar a comunicação entre duas pessoas. De fato, quando nós sabemos escutar profundamente, já falaremos amorosamente. (Da próxima vez que eu discursar, nós aprenderemos sobre como usar a fala amorosa, e isso pertence ao Quarto Treinamento de Consciência. Aprenderemos mais sobre estas coisas em nossos debates de Dharma.). Em nosso tempo, a tecnologia de comunicação é muito grande. Nós temos todos os tipos de comunicação, como e-mail, fac-símile e telefone, e então podemos estar muito depressa em contato com um ao outro, e num par de horas notícias podem ser levadas de um extremo do mundo ao outro. Mas, há obstrução na comunicação entre pessoas de uma família, entre o pai e filho, entre a esposa e marido. Então, é muito importante para nós aprendermos a escutar profundamente. As crianças falaram a verdade: a razão por que o pai e a mãe fazem-se sofrer é que eles não entendem um ao outro, não sabem escutar profundamente um ao outro. Eles não têm a capacidade de usar a fala amorosa. O pai e a mãe não sabem que enquanto eles estão fazendo um ao outro sofrer, eles também estão fazendo as suas crianças sofrer. E quem são seus filhos? Os seus filhos são a sua continuação. Para dizer isto de outro modo, nossas crianças são nós mesmos. E quando nós nos fazemos sofrer, quando fazemos nosso marido ou a esposa sofrer, também estamos fazendo nossas crianças sofrerem. Nossas crianças também farão nossos netos sofrer, porque nós não temos a capacidade de mostrar a nossas crianças a arte de criar a felicidade, ou a arte de fazer nossos cônjuges felizes. E como nossas crianças podem aprender isso, se elas não podem aprender isto de nós? Se elas não aprendem isto, crescerão e cometerão os mesmos enganos que nós cometemos, e este ciclo de Samsara continuará em nossas crianças; e nosso sofrimento será passado para nossas crianças, e o sofrimento de nossas crianças será passado para nossos netos, e este ciclo de Samsara nunca se acabará. Nós temos que pôr um fim neste ciclo pelo método de escutar profundamente e usar a fala amorosa. Usar a fala amorosa e o escutar profundamente estabelecerão a comunicação, e quando há comunicação e entendimento entre nós, então a felicidade estará lá. Talvez em tempos anteriores a Mãe e o Pai sorriam um para o outro: naquele tempo quando eles se conheceram pela primeira vez, quando se apaixonaram, e não percebiam que aquela pessoa iria viver com eles para o resto das suas vidas. Assim quando um casal toma a decisão, de um modo superficial, de viver junto para o resto de suas vidas, e estes dois corpos efetivamente vem a viver juntos, mas suas almas não estão em harmonia, não há nenhuma comunicação, não há entendimento, não há o compartilhar das coisas profundas de suas almas, então não há nenhum contato. Se somos jovens, sabemos que em tempos anteriores nosso pai também era uma pessoa jovem, nossa mãe também era jovem, e nesses primeiros momentos quando eles ficaram juntos, não compartilhavam ainda as coisas mais profundas dos seus corações, e então eles cometeram um engano. Isso iniciou seu sofrimento para o resto das suas vidas. E nós vemos que como crianças estamos continuando aquele sofrimento, e se não somos hábeis, se não somos inteligentes, repetiremos os enganos que nossas mães e pais cometeram, especialmente quando nos apegamos, e nos apaixonamos, e fazemos um compromisso de ficar com a outra pessoa. Nós não queremos fazer como nossa mãe e nosso pai, mas no fim nós faremos como nossa mãe e nosso pai, e faremos nosso companheiro sofrer, e daremos à luz a crianças que também sofrerão, e isso é chamado Samsara.

Uma pessoa é feita de corpo e mente. Se há só comunicação entre os corpos mas não entre as almas, isto é muito perigoso. Quando amamos um ao outro, queremos estar perto um do outro, mas esta proximidade é uma proximidade de almas onde existe comunicação, onde existe entendimento, onde podemos compartilhar juntos valores espirituais? Se for assim a união dos dois corpos terá sentido e trará felicidade. Mas se dois corpos estão juntos sem uma união das almas, então haverá sofrimento, e nós não poderemos falar para nossas crianças sobre o significado do real amor. Então nós podemos chamar tal união de dois corpos de “sexo vazio”.

Quando crianças de doze ou treze anos, ou de quatorze anos, ficam juntas, e dormem juntas, o que acontecerá? Há a união dos dois corpos, empurrados através do desejo sexual, mas as duas crianças não entendem uma a outra, não sabem nada sobre a outra, elas não sabem o que é o amor. Isso é o que nós chamamos sexo vazio, e é muito perigoso, porque então essas duas pessoas jovens entrarão profundamente no caminho do desejo sexual onde nada mais existe além do sexo, nenhuma compreensão. Isto é ensinado muito claramente na tradição asiática, e eu penso que isto também foi dito em tempos antigos na tradição Ocidental.

Na tradição asiática, nossos corpos são também sagrados, como nossas almas, e nós não podemos compartilhar nossos corpos com qualquer pessoa. Em nossos corpos existem partes que são muito sagradas, como o topo de nossa cabeça, por exemplo. Normalmente um pai e mãe no Vietnan, quando seus filhos ficam à sua frente na idade de três ou quatro anos, perguntarão para elas: “Minha criança, você ama seus pais?” e a criança dirá, “eu a amo Mamãe, eu o amo Papai”. Os pais perguntam, “Onde você põe seu amor por seus pais?” e a criança diz “eu pus meu amor por meus pais em minha cabeça “. O topo da cabeça, no que diz respeito ao povo asiático, especialmente os vietnamitas, é o altar; e naquele altar nós colocamos a coisa mais sagrada. Por exemplo, se nós entramos em uma casa no Vietnan, podemos ver que aquela casa é muito pobre, mas sempre há um altar ancestral. Aquele altar ancestral é muito sagrado. É colocado talvez apenas um prato de frutas ou um vaso de flores, ou um pouco de incenso naquela mesa. Nós não vamos para o mercado e então colocamos a bolsa de compras em cima da mesa do altar ancestral quando voltamos para casa. Isso seria uma grande irreverência, e ninguém jamais faria isso. No que diz respeito ao nosso corpo, o seu altar é o topo de nossa cabeça, e nós adoramos o Buddha, nós adoramos os antepassados no topo de nossa cabeça. E no que diz respeito a uma pessoa vietnamita, se alguém põe sua mão em nossa cabeça, isso seria muito irreverente. Há ocidentais que não entendem isto, e eles põem suas mãos em nossa cabeça, mas nós temos vontade de lhes dizer, “Por favor, ponha sua mão em meu ombro, mas não em minha cabeça. Caso contrário eu me sentirei muito ofendido, eu acho isso muito ofensivo”.

Se os monges e monjas em Plum Village estão segurando algo precioso, relacionado ao Dharma, como seus [textos dos] Sutra ou seus mantos Sanghati, e alguém vem dizer “olá” para eles ou para lhes dar uma carta, eles têm de pôr o Sanghati na cabeça, no altar de seus corpos. Este é o lugar mais merecedor para pôr o manto. Eles não podem colocá-lo na terra. Você não pode pôr o Sutra da Plena Consciência da Respiração, ou o Amitabha Sutra na terra. Nós sentimos respeito pelo Sutra, o Sutra é uma jóia do Dharma, e temos que pô-lo em um lugar muito limpo. É o mesmo com nossa manta de Sanghati; nossa manta de Sanghati nos foi dada pelo Buddha, por nosso mestre, para com ele realizar as cerimônias. Nós não podemos colocá-lo na terra. Se não há nenhuma mesa perto, temos que pô-lo em cima de nossas cabeças, e quando recebemos a carta a poremos em nosso bolso, e então tiramos a manta de nossa cabeça e a seguramos em nossas mãos. Além do topo de nossas cabeças, há outras partes sagradas de nosso corpo. Há outras partes de nosso corpo que nós não queremos que ninguém veja, que não queremos que ninguém toque. Isto é verdade para uma menina, e é verdade para um menino. Nosso corpo é sagrado, como nossa alma. Em nossa alma, há áreas sagradas que não queremos que ninguém veja ou toque. Há experiências, há imagens que queremos manter escondidas para nós mesmos. Nós não queremos compartilhá-las com qualquer pessoa — só quando aquela pessoa for allguém em quem temos a maior confiança do mundo, a quem nós mais amamos no mundo, apenas então tiraremos essas coisas das profundidades de nossos corações e as mostraremos para ela. Mas o número de pessoas neste mundo com quem nós podemos compartilhar estas coisas é muito pequeno, provavelmente único. Há áreas em nossa alma que são áreas proibidas, como na cidade imperial onde existem lugares proibidos que vocês não podem entrar. Se vocês entrarem serão presos, e terão sua cabeça decepada! Com nossa alma é o mesmo, com nosso corpo é o mesmo. Há áreas secretas que são muito sagradas, e nós não podemos permitir a qualquer um entrar. Nós podemos segurar alguém nas mãos, podemos pôr nossa mão nos ombros de alguém, mas se tocamos estas áreas sagradas, estas áreas secretas de nossos corpos, isto é algo que não deveríamos fazer, e isso inclui o topo de nossas cabeças.

Somente quando temos alguém que realmente nos entende, que realmente nos ama, que viverá conosco até a morte, seremos capazes de compartilhar essas áreas profundamente escondidas de nossos corpos e nossas almas. E então a união de dois corpos será como uma cerimônia muito sagrada. Esta união de dois corpos é ao mesmo tempo a união de duas almas, e criará a felicidade. Em tempos antigos isto era muito claro entre os Orientais, e eu estou certo de que na tradição Ocidental também existia [tal concepção], mas esteve perdida para muitos de nós; olhamos para nossos corpos, olhamos para nossas almas, e não vemos sua sacralidade. E nós não cuidamos de nossos corpos e almas na hora de nos unirmos com outro corpo. Quando crianças de treze e quatorze fazem sexo, é algo muito perigoso. Elas não sabem o que é o amor, não sabem o que é o corpo, não sabem o que é a alma. E se elas agirem assim, no futuro não terão a oportunidade de saber o que é o real amor, o que é a real comunicação. É como uma fruta que não está madura ainda; é uma flor, que não desabrochou ainda. Então, nós temos que proteger nossos jovens. Se nós somos jovens, temos que proteger nossos próprios corpos, e temos que conhecer o Terceiro Treinamento de Consciência, em saber praticar a castidade. Se fazemos sexo sem proteger a integridade de nosso corpo e nossa mente, ou do corpo e mente da pessoa que amamos, estamos transgredindo o Terceiro Treinamento de Consciência. E se dois corpos fazem sexo quando não há ainda a união das almas, quando ainda não há entendimento, é muito perigoso. Nós temos que evitar isto, nós temos que parar com isto, nós não deveríamos permitir isto acontecer. Caso contrário vamos contra os ensinamentos do Terceiro Treinamento de Consciência.

Nos anos 1930 e 1940 havia um jovem poeta que escrevia apenas poesia de amor, e um dia ele escreveu um poema que dizia:

Você Ainda Está Muito longe

Um dia você estava sentada longe de mim.

Eu lhe pedi para vir e se sentar perto de mim.

Você aproximou-se um pouco mais, e eu fiquei irritado.

Você apenas aproximava-se um pouco mais todo o tempo.

Eu estava a ponto de ficar com raiva.

Você depressa se levantou

Veio e se sentou perto de mim.

Lá estava você. Eu estava contente.

Mas logo fiquei triste novamente,

Porque vi que nós ainda estávamos muito longe um do outro:

Sentados muito próximos, ainda muito longe.

Por que longe? Nós estávamos sentados próximos um do outro, Nossos corpos estavam extremamente próximos um do outro. Por que estávamos distantes? Porque ainda não havia nenhuma comunicação entre nossas almas. Os dois universos ainda estavam separados e distantes. Estas duas pessoas jovens, embora durmam juntas, ainda estão distantes. Elas não podem retirar a parede que os está dividindo. Quando dormimos com uma pessoa, podemos sentir que porque estamos perto dela, há comunicação; mas isso é uma ilusão. A união de dois corpos podem provocar maior separação que antes. Muitas pessoas testemunharam que se não há entendimento, comunicação, real amor, o profundo compartilhar de nossos ideais e nossa vida, e [ainda assim] unimos nossos corpos e fazemos sexo, então não só não haverá nenhuma comunicação naquele momento, mas um enorme abismo pode ser cavado entre nós, e isso é muito perigoso. Quando o poeta escreveu este poema ele não quis dizer o que eu disse aqui, mas ele disse em poesia: “Eu fiquei bravo porque você era não se aproximava bastante de mim, mas quando você veio e se sentou perto de mim, pensei que estava satisfeito. Mas aquela satisfação só existiu por alguns momentos, e então fiquei triste porque vi que não éramos íntimos absolutamente. Mas não há nenhum modo para nós sermos mais íntimos. O único modo que poderíamos nos colocar mais íntimos seria através da profunda compreensão, do compartilhar nossos sofrimentos, nossos ideais, nossas dificuldades”. Por isso praticar a comunicação através do escutar profundamente e da fala amorosa é tão importante.

(Sino)

No Budismo há um termo, um doce termo: kalyanamitra, que significa um amigo na prática, um amigo espiritual. Este é um amigo que nos ajuda a seguir adiante em nosso caminho espiritual. Nós estamos contentes quando temos um amigo que pode nos apoiar, que pode nos proteger, que pode nos ajudar a ir adiante no caminho da compreensão e amor, o caminho de fazer outros felizes. Se temos um amigo espiritual assim, temos que fazer tudo que pudermos para manter este amigo, porque se perdemos este amigo, podemos perder tudo. Este é o companheiro mais necessário na vida. Ele nos tira das sendas da escuridão; ele nos sustenta para que assim sigamos na senda de nosso ideal. Este é o amigo espiritual, o kalyanamitra. Mitra quer dizer “amigo”. Kalyana quer dizer “bom” [“algo feliz, auspicioso”]. Se a pessoa que amamos é um kalyanamitra, então somos afortunados, porque naquela pessoa há aquela essência chamada liberdade interna, ou felicidade. Se nós podemos seguir em nosso caminho espiritual, nosso caminho de vida, com tal pessoa, então somos alguém de felicidade. Talvez nós tenhamos um companheiro espiritual assim, mas talvez não reconhecemos que temos um amigo espiritual. Nós poderíamos perder aquela pessoa facilmente se não reconhecermos que ela é um amigo espiritual. Talvez próximo de nós exista alguém assim, pronto para ser nosso companheiro no caminho, pronto para nos apoiar, nos proteger, nos ajudar; mas porque não vivemos no momento presente, não temos a visão clara, não podemos ver que aquela pessoa está presente. E se nós voltamos ao momento presente e damos uma olhada, podemos descobrir, “eu tenho um kalyanamitra, um amigo espiritual precioso!”. Quando nós pudermos reconhecer nosso kalyanamitra, teremos muita felicidade, e faremos um voto profundo que nunca diremos ou faremos qualquer coisa que nos fizesse perder esta pessoa em nossas vidas.

Quando eu era jovem, quando era um noviço, li que nosso pai e mãe nos deram à luz fisicamente, mas a pessoa que nos ajuda a perceber nosso ideal é nosso amigo espiritual. Embora nossos pais tenham nos trazido à luz, eles podem não ser capazes de nos ajudar a perceber nosso ideal espiritual. Mas nosso companheiro, nosso kalyanamitra, é a pessoa que nos ajudará a perceber nosso caminho. E isto também é verdade entre mestre e discípulo. Nosso mestre deu à luz nossa vida espiritual, mas talvez nosso mestre não nos pode ajudar a crescer no caminho espiritual, talvez tenhamos que ter os amigos espirituais, e só então podemos crescer no caminho espiritual. Quando tinha dezesseis anos eu realmente aprendi estas palavras; “A mãe e Pai nos dão vida física, e nosso amigo espiritual é o que nos ajuda a perceber o Caminho”. Eu nunca esqueci destas palavras, e percebo que se fosse perder meu amigo espiritual, poderia perder minha vida espiritual. Então nós temos que ter tanto cuidado. No Avatamsaka Sutra é dito que o kalyanamitra é a pessoa que pode nos ajudar a manter nosso Bodhichitta, que é nossa mente do Despertar, nossa mente de Amor. Nosso bodhichitta é uma energia muito forte em nossa vida de prática, e em nossa continuidade no caminho de prática. O bodhichitta, a mente de amor, é a energia que nos conduz para a transformação de sofrimento, não só em nós mesmos, mas em todos ao nosso redor. E quando temos esta mente de amor, somos fortes, quando nosso bodhichitta é sólido e firme, então nosso caminho a seguir é reto. Nós temos energia e temos solidez. Mas se o bodhichitta é debilitado ou enfraquece, então nossa felicidade também enfraquecerá, e não poderemos oferecer felicidade a esses ao redor de nós, a esses que amamos, e a outros também. Então, manter o bodhichitta para poder continuar no caminho de nosso ideal mais profundamente é algo muito importante, e a pessoa que pode nos ajudar a manter este bodhichitta solidamente é nosso kalyanamitra. Então nosso amigo espiritual é aquele que pode nos ajudar a vivenciar nosso bodhichitta, de forma que nosso bodhichitta, nossa mente de vida, nunca feneça em nosso coração.

Em nossa vida precisamos achar um companheiro espiritual. Se nós ainda não temos esta pessoa, deveríamos procurar. Nós podemos ter um mestre, mas um mestre não é bastante. Nós precisamos de um companheiro, e este amigo, este kalyanamitra, é nosso lugar de refúgio. Nós podemos achar este amigo em um Sangha: alguém em quem confiamos, alguém o qual, quando nos sentamos próximos a ele, sentimo-nos sólidos, nos sentimos livres, sentimos a solidez de nosso caminho de prática. Nós temos que chamar esta pessoa nosso kalyanamitra. Obrigado, meu amigo espiritual, por estar presente em minha vida. Um kalyanamitra, de acordo com o Avatamsaka Sutra, é alguém que nos ajuda a crescer em nossa capacidade para praticar solidamente, praticar diligentemente. Esta pessoa nos induz a desenvolver nossas raízes saudáveis, porque todos nós temos raízes saudáveis, todos nós temos as sementes do amor, de perdão, de alegria, de sabedoria e de felicidade. Estas sementes estão presentes nas almas de todos nós, mas nosso kalyanamitra é a pessoa que tem a capacidade de diariamente molhar essas sementes, ajudar essas sementes a crescer. Se não temos um kalyanamitra, as sementes boas em nossa alma, em nossos corações, não continuarão se desenvolvendo. Então eu preciso de meu kalyanamitra da mesma maneira que uma árvore precisa da luz do sol todos os dias. Se ainda somos jovens, deveríamos saber que precisamos de um companheiro espiritual. Muitos amigos nos puxarão para regiões escuras que destruirão nosso corpo e nossa mente e onde não teremos energia e alegria de vida. Nós deveríamos reconhecer que estes amigos não são as pessoas perto das quais deveríamos estar; pessoas como estas não podemos chamar kalyanamitra. Em vez de amigos espirituais, nós temos que os chamar “maus amigos”. Nós precisamos ficar longe de qualquer um que reconheçamos como um mau amigo, um amigo insalubre, alguém que nos conduzem a bares, em lugares onde drogas são usadas, onde há viciados, pessoas que falam asperamente, pessoas que não sabem escutar profundamente, pessoas cujas palavras são tão violentas quanto suas ações. Se nós vivemos com elas, se nós continuamos voltando para elas, nossos corpos e nossas mentes serão destruídas por elas, nós nos faremos sofrer, e faremos nossos pais sofrerem. Assim temos que reconhecer quem são os amigos insalubres e quem são os amigos espirituais bons, e quando achamos os bons amigos espirituais, temos que ficar determinados a não os perder. O Pai e a Mãe nos deram à luz fisicamente, mas esses que nos ajudam a crescer no caminho de prática são nossos amigos espirituais.

Nosso amigo espiritual é alguém que sabe viver com consciência, que sabe viver de acordo com os princípios dos Cinco Treinamentos de Consciência. Vivendo de acordo com os Cinco Treinamentos de Consciência estamos vivendo sob a proteção das Três Energias. Estas Três Energias nos protegem e nos orientam, cuidam de nós, e estas Três Energias são Buddha, Dharma e Sangha. Estas três energias não são idéias, ou algo fora de nós. Estas três energias são coisas que podemos ter contato quando estamos atentos. O que é Buddha? Buddha é o Desperto, Buddha é a energia do Despertar, Buddha é consciência. Sempre que retornamos e vivemos pacificamente no momento presente, sempre que nossos corpos e mentes retornam e ficam unidos, sempre que sabemos respirar atentamente, caminhar atentamente, comer atentamente, reconheçer a presença de nossos entes queridos, Buddha está presente, e esta energia é chamada energia de despertar, de consciência. Quando temos aquela energia em nós, sabemos que abrigamos Buddha em nossos corações, e Buddha está nos protegendo. Buddha não é um símbolo. Buddha não é um deus. Buddha não é uma pessoa. No passado houve muitos Buddhas, no presente há muitos Buddhas, e no futuro haverá muitos Buddhas. Buddha é qualquer um que possua a energia do Despertar, a energia de amor, de compreensão e consciência. Isso é o que chamamos Buddha, e todos nós temos as sementes da consciência, do amor, da compreensão, de perdão em nós, e quando retornamos a nós mesmos, reconhecemos essas sementes em nós e ajudamos essas sementes a crescer, então estamos em contato com Buddha em nossas próprias pessoas. Não há ninguém que não tenha as sementes de Buddha; não há ninguém que não tenha a capacidade de estar em contato com Buddha em sua própria pessoa. Portanto praticar os Cinco Treinamentos de Consciência é um método maravilhoso, muito concreto, para que a consciência sempre esteja presente em nossas vidas diárias. E consciência é Buddha. E este Buddha não é o passado; Buddha é o presente. E o que é Dharma? Dharma é a prática de consciência, todos os diferentes modos de praticar a consciência. Nós poderíamos dizer que o Dharma é que a Palestra de Dharma, Dharma é o Sutra, mas uma Palestra de Dharma ou um Sutra não são o Dharma vivente. Dharma vivente é quando sabemos caminhar atentamente, quando sabemos sentar atentamente, quando sabemos comer atentamente, sabemos respirar atentamente, sabemos reconhecer o que está acontecendo no momento presente. Estas práticas são viver o Dharma. Se praticamos consciência em nossa vida diária, então estamos fazendo o Dharma brilhar ao nosso redor. Quando as pessoas nos olham elas nos verão como o Dharma vivo. O Dharma vivo não é feito por imagens e sons, é feito pela Vida. Então, alguém que sabe praticar a consciência quando caminhando, sentando, lavando roupas, fazendo chá, olhando as coisas e amando, esta pessoa é uma manifestação do Dharma vivente. Embora esta pessoa não dê palestras de Dharma, tal pessoa estará proferindo uma palestra de Dharma com seu corpo com sua vida… ensinando através de sua vida, e não apenas através de palestras de Dharma. Quando vivemos desta forma estamos protegidos pela segunda energia, chamada a energia dos verdadeiros ensinamentos.

A terceira energia é o Sangha. Sangha é a comunidade. Na comunidade você tem os mestres, monges, monjas, e as pessoas leigas. É chamado o Sangha de quatro-partes, e elas estão lá para sustentar um centro de prática, de forma que as pessoas que praticam ali estejam sólidas, e tal lugar é o mais seguro para irmos. Nós podemos ficar protegidos lá, porque todos neste lugar estão praticando a consciência, o viver atentamente, comer atentamente, trabalhar atentamente; então a energia do Sangha cuidará de nós e nos protegerá.

E nós praticamos os Cinco Treinamentos da Consciência: o Primeiro, o Segundo, o Terçeiro, o Quarto e o Quinto. Nós já falamos um pouco sobre Terceiro Treinamento da Consciência, como proteger nossos corpos, nossa integridade e nossa castidade, e que de outros também. Nós também falamos um pouco sobre o Quarto Treinamento da Consciência, como escutar profundamente e praticar a fala amorosa. Quando praticamos os Cinco Treinamentos da Consciência, estamos praticando muito concretamente o método de consciência. Prática de consciência é ter a proteção de Buddha, do Dharma e do Sangha. Quando praticamos os Cinco Treinamentos da Consciência solidamente, criamos um “corpo de preceitos”, chamado silakaya, e este corpo de preceitos nos protegerá em nossas vidas diárias. Quando este corpo de preceitos está inteiro, é devido a nossa prática dos Treinamentos de Consciência e dos Modos Atentos de forma muito saudável — somos protegidos pelas três energias de Buddha, Dharma e Sangha. Quando transgredimos os Treinamentos da Consciência e transgredimos os Modos Atentos, nosso corpo de preceitos é rachado, e então não estamos mais protegidos. Nós entramos em situações de perigo, infortúnio, porque nosso corpo de preceitos quebrou-se, não é mais íntegro. Onde quer que vamos, o medo irá conosco. Por exemplo, se estamos morrendo, temos um acidente, estamos feridos, sentiremos que não há nada para nos proteger. Quando as pessoas sofrem acidentes e perigos, precisam da proteção de seu corpo de preceitos. Sem isto, elas terão muito medo, e aquele medo afastará toda sua paz; quando medo está lá, não podemos superar o acidente, a morte, a doença, e a perda de nossas vidas. Se não queremos que isto aconteça, a melhor coisa que podemos fazer é nos proteger com a energia de consciência, manter nosso de corpo de preceitos íntegro, irrompível.

(Sino)

Se quer ter sucesso em sua prática, se quer chegar à transformação e cura, deveria confiar nos Treinamentos da Consciência, e deveria confiar em seu companheiro espiritual. Seu companheiro espiritual é alguém que mantém os Treinamentos da Consciência. Esta pessoa é sólida, tem liberdade interna, e é destemida. Se nós estamos perto de alguém assim, desfrutaremos a liberdade, a intrepidez e a solidez desta pessoa. Se em nossas vidas temos estas duas coisas, os Treinamentos da Consciência e nossos companheiros espirituais, então nossas vidas terão êxito. Nós nunca deveríamos permitir estas duas coisas sair de nosso alcance – de fato estas duas coisas são uma só. Quando não temos um amigo espiritual, deveríamos procurar e achar um. Quando não temos Treinamentos da Consciência, deveríamos procurar e achar os Treinamentos da Consciência. Em nossas relações com nossos entes queridos, nosso pai, nossa mãe, ou nossas crianças, se houver dificuldades, sofrimentos, deveríamos confiar em nossos Treinamentos da Consciência e em nossos amigos espirituais para restabelecer a comunicação, e assim usaremos facilmente a fala amorosa e o escutar profundamente para trazer felicidade à nossa família, e abrir caminho para um futuro saudável. Quando aprendemos como escutar profundamente e usar a fala amorosa, podemos começar a restabelecer comunicação entre nós mesmos e nossa mãe ou nosso pai, ou com nosso marido, ou nossa esposa. Se ainda não podemos falar diretamente com eles, podemos escrever uma carta, porque escrever uma carta é um modo de comunicação, e pode ser uma arte muito profunda. Nós escrevemos o que queremos dizer em uma carta… talvez não possamos dizer estas coisas a eles, nos sentimos incomodados falando com eles, mas nos sentamos em nosso quarto, levando um pedaço de papel e uma caneta, e escrevemos, “Querido pai, você sabe que eu o amo? Eu entendo que você está sofrendo, eu entendo suas dificuldades, e quero lhe falar que o amo, o entendo, e quero que você seja feliz”. Podemos escrever isto em um pedaço de papel, e quando o pai lê isto, sentir-se-á de coração livre. Uma semente de sofrimento foi reconhecida por alguém, e alguém que pode entender isto. E esta pessoa pode ser seu próprio filho – por que nosso amigo espiritual n&atildde;o poderia ser nosso filho?

Eu organizei retiros na Europa e nos Estados Unidos para crianças, e quando elas praticam durante cinco ou sete dias, vão para casa e fazem as pazes com seus pais e mães, e elas trazem seus pais ao centro de prática. Até mesmo uma criança de doze ou treze anos pode representar o papel de kalyanamitra para seu pai e mãe, e muitas crianças tiveram êxito. Isto me traz muita fé e felicidade. Se minha criança mergulha em um caminho escuro, um caminho perigoso, e eu sou um pai ou mãe preocupado com meu filho, e não posso me comunicar com aquela criança, a solução ainda é o método de escutar profundamente, falar amorosamente, e manter os Treinamentos da Consciência. Nós podemos praticar, podemos falar com todo nosso amor, e podemos dizer, “Minha querida criança, eu sei que você tem dificuldades, sei que você sofre e não pode falar sobre isto. Antes eu não tinha a capacidade de lhe escutar, mas agora comecei uma prática e posso lhe escutar. Então por favor me fale, eu fiz algo que lhe fez sofrer?” Se a criança pode dizer o que é, ela sofrerá muito menos. E se você sente-se tímido, se ainda não podem dizer isto às suas crianças, vocês podem escrever uma carta para elas.

Nós perdemos nossos filhos. Nós não podemos nos comunicar mais com eles, não podemos compartilhar com eles o que é belo e as boas coisas. Isso é um grande fracasso. Nós recebemos tantas jóias preciosas da cultura e dos ensinamentos do Buddha, mas devido às nossas dificuldades de comunicação com nossas crianças, não podemos passar para elas as coisas preciosas e valiosas da nossa cultura. Assim, se queremos passar estas coisas preciosas, precisamos de comunicação. Há um só modo de restabelecer a comunicação, e esta é o escutar profundamente e o falar amorosamente. Nós temos uma caneta, nós temos um pedaço de papel, então por que não escrevemos uma carta para poder abrir a porta de comunicação que por tanto tempo esteve firmemente fechada?. Nossas crianças seguem neste caminho perigoso e escuro. Nós temos que nos tornarmos os kalyanamitra para nossas crianças. Por que não? Nós somos o pai, nós somos a mãe. Temos que ajudar nossas crianças. Temos que ser o kalyanamitra de nossas crianças. Temos que praticar a fala amorosa e o escutar profundamente para abrir a porta de comunicação novamente.

Quando podemos persuadir nossas crianças, então há um futuro. Porque o que é nosso futuro senão nossos filhos, não é mesmo? Se nós perdemos nossos filhos, não temos um futuro. Nossas crianças nos perpetuarão no futuro, e nos levarão para o futuro. Se perdemos nossas crianças, como podemos ter aquela continuação, como podemos continuar no futuro? Então, temos que praticar para sermos capazes de restabelecer a comunicação, de forma que possamos passar a cultura de nossos antepassados às nossas crianças. Se todas as crianças estão se separando dos seus pais por causa de ódios, então a tradição cultural inteira será perdida, e todas as valiosas coisas que nossos antepassados nos deixaram não serão passadas. Se podemos passar estas coisas, isso será um presente maravilhoso para nossa sociedade. Em nossa sociedade há tantos fantasmas famintos, tantas pessoas jovens que vagam famintas ao nosso redor, sem qualquer fé nas suas culturas, nas suas famílias, nos seus pais, nenhuma fé na escola ou universidade, nenhuma fé nos valores que aceitamos. Elas não têm um lugar de refúgio, elas são iguais aos fantasmas famintos, sem amor, sem compreensão. Em nossa vida diária pensamos em tantos fantasmas famintos, pessoas jovens de hoje. Entre a juventude de hoje, há tantos fantasmas errantes que não têm nenhuma fé em qualquer coisa de suas culturas. Então o dever dos pais e avós é se tornarem os kalyanamitra das suas crianças e netos. Este é o maior presente de amor que podemos dar às nossas crianças. Esta é a maneira de podermos ser bodhisattvas: nós somos os pais de nossas crianças, mas também somos os amigos de nossas crianças. Nós queremos poder reavivar a comunicação entre o pai e criança. E se podemos fazer isso, nós somos os discípulos de Bodhisattva Avalokiteshvara.

(Sino)

[Fim da Palestra de Dharma]


Nota 1:
Para livre distribuição, como exercício de Dharma. Aqueles que desejarem oferecer uma doação ao Templo orientado por Thich Nhat Hanh, podem envia-la para o seguinte endereço:
Transcription Project
Plum Village – Lower Hamlet
Meyrac, Loubes-Bernac, 47120 FRANCE
Site do Templo: http://plumvillage.org/


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