Vivendo no Espírito do Não-Eu

Ensinamentos do Mestre Thich Nhat Hanh
Retiro em Plum Village
Dezembro de 1999

Transcrito e editado por Carol Fegan, Chan An Cu
Revisado por Brendan Sillifant
Traduzido ao Português por Claudio Miklos

Palestra de Dharma dada por Thich Nhat Hanh em 16 de dezembro de 1999 em Plum Village, França.

Queridos Amigos, hoje é 16 de Dezembro, 1999 e estamos em New Hamlet. Nós sabemos como é importante praticar o tomar Refúgio no Sangha. Para ter um Sangha deveríamos aprender como construir um, e o melhor modo de construir um é aprendendo a viver em harmonia com o Sangha no espírito do não-eu.

Portanto construir um Sangha também significa viver com o Sangha. Se vocês tem a sorte de nascer em uma família onde todo mundo se considera praticante, praticantes budistas, poderia gostar de transformar sua família em um pequeno Sangha, usando as terminologias Budistas e assim por diante. Mas se vocês não nasceram em uma família onde todo o mundo aceita o modo de vida do Budismo, então vocês poderiam também construir um Sangha, mas não um que use as terminologias e rituais Budistas. É possível convencer qualquer um a se adaptar à arte do viver consciente. Para mim, todas as terminologias budistas podem ser traduzidas para termos não-budistas. Nós tivemos muito êxito fazendo assim. Quando vocês estuda os Cinco Treinamentos de Plena Consciência, não vêem as palavras Buddha, Dharma e Sangha neles pois os Cinco Treinamentos de Plena Consciência estão em linguagem secular, simples.

Quando você diz, eu tomo Refúgio no Buddha, isso soa budista. Mas se você diz, eu tenho confiança em minha capacidade de estar atento, de estar desperto. Eu confio em minha capacidade de estar presente, no aqui e agora. Eu confio em minha capacidade de ser compreensivo e compassivo.

Isso é equivalente ao, ‘eu tomo Refúgio no Buddha ‘, eu confio na natureza búdica em mim, eu confio em minha capacidade de despertar, ser capaz de viver no aqui e agora. Assim, é completamente possível para você usar linguagem não-budista para expressar o discernimento e a prática do Budismo. Portanto até mesmo se seu filho, sua filha, não gostam do Budismo, você ainda pode lhes oferecer a arte de viver atento. Isso pode trazer muita felicidade para você e para sua família, transformando sua família em um Sangha. Você não chama isto de um Sangha, só uma família onde todo mundo conhece o modo de viver onde a comunicação é possível, a alegria e a paz tornam-se possíveis.

As pessoas em Lower Hamlet ou em New Hamlet podem ter percebido o modo como os monásticos, as monjas, aqui cuidam das subas [professoras anciãs] que vieram do Vietnã. Alguns de vocês podem pensar que elas exageram no cuidado com as subas, mas essa é sua prática na tradição. Nós cuidamos de nossos professores anciãos de tal modo porque com isso não só estamos cuidando deles, mas igualmente cuidando de nós mesmos. E quando vocês cuidam de seu professor deste modo, seus professores anciãos deste modo, vocês tem uma oportunidade de expressar seu amor e apreço, e ainda usufruem muito. Talvez as pessoas que estão sendo cuidadas não obtém tanto quanto vocês, porque fazendo assim vocês mostram sua compaixão, seu apreço, seu amor, seu cuidado e são vocês que ganham mais com seus atos. E assim a felicidade não é uma questão individual. Você faz a outra pessoa feliz e então a felicidade voltará para você, assim, imediatamente.

Suponham que vocês vão para casa e cuidam de sua mãe do modo como as monjas aqui tomam cuidado com as monjas superiores. Não como um dever, mas como algo que gostam de fazer. Vocês sabem que são uma continuação de suas mães e gostariam de cuidar da mãe que vive dentro de vocês e fora de vocês. Apenas cuidando assim, e isso não seria uma perda de tempo; isso não seria perder seu tempo, seu tempo é fazer isso. Expressar o amor em condições concretas, e então você vê que é uma pessoa que está contente porque tem a percepção de que sua mãe é você. Você é simplesmente a continuação de sua mãe e fazendo sua mãe feliz significa estar se fazendo feliz. Assim eu não creio que as monjas em New Hamlet estejam pensando que seja um dever que elas têm que fazer porque as subas vieram do Vietnam e elas têm que tratá-las com extremo cuidado. Isso é apenas sua tradição, sua prática, e quando você pratica assim, está contente. E por que não fazermos isso com nosso pai, nossa mãe, os membros anciãos de nossa família. Se nós cuidamos deles assim, eles verão que vocês são eles e eles são vocês, não-distinção, e de repente sua família se torna um Sangha porque temos sempre que nos lembrar que a felicidade não é um assunto individual.

E isso nós podemos ver em muitas coisas; como quando observamos em nosso corpo, há tantas células! As células em nosso corpo não operam na base do dever mas porque simplesmente fazem assim. Os pulmões estão fazendo o melhor para renovar o sangue. Com a entrada de oxigênio não dizem eles, "Ei, sangue, você precisa de mim para ficar novamente vermelho, ser oxigenado novamente, e você tem que ser grato a mim." Pulmões nunca pensam assim! É seu prazer inspirar, expirar e oferecer oxigênio às células do sangue. E as células do sangue, elas regressam para as outras células e distribuem o oxigênio nutrindo-as, e não dizem, "Bem nós viajamos muito no corpo para trazer oxigênio para vocês e vocês deveriam agradecer! Eu fiz muito, agora é tempo de me aposentar." As células de sangue não pensam assim, elas simplesmente fazem isso. Não há nenhuma distinção em nosso corpo e nós vemos que o discernimento do não-ego, o discernimento da interconexão do ser só podem ser vistos observando-se como as células em nosso corpo operam. Se você é um cientista que observa o modo como o corpo humano opera, você pode ver muito bem que tudo está operando no discernimento do não-ego, não-distinção e que toda célula de seu corpo tem a sabedoria da não-distinção.

Quando vocês observam uma colméia, vêem a mesma coisa. Vocês não vêem um chefe, um patrão que dirige as coisas. Você será o número um e fará isto para mim, você é o número dois e tem que ir naquela direção e pegar aquele pólen para mim. Não há nenhum chefe, não há nenhum diretor. Uma abelha rainha não é uma diretora, não é um rei, não é realmente uma rainha, o seu dever é só oferecer os ovos para um próxima geração de abelhas, não realmente ser uma diretora. E na colméia toda abelha se comporta perfeitamente e não têm que dizer para uma ou outra como devem fazer. O modo como vivem suas vidas diárias, o modo como elas vivem, o modo como agem é sua mensagem, e elas continuam se comunicando pelo modo como agem e o modo como são. Às vezes uma abelha voltará para uma colméia e começará a dançar. Esse é seu modo de se expressar às outras abelhas, indicando a direção onde elas podem obter mais pólen – a dança das abelhas.

Igualmente, se vocês observam as térmitas, vêem que elas são maravilhosas. Elas sempre trabalham como um time, também não têm um diretor e uma rainha das térmitas tem só um dever: produzir ovos para uma próxima geração de térmitas. Elas são trabalhadores muito talentosos. Até mesmo criam condicionadores de ar onde vivem. Elas são perfeitamente organizadas e há muita inteligência, muita sabedoria no modo como as abelhas e térmitas organizam suas comunidades. Ninguém dá qualquer ordem e a comunicação vai muito bem.

Térmitas comunicam-se entre si e as abelhas também se comunicam muito bem entre si. Cientistas perceberam que há substâncias químicas que irradiam-se de cada térmita como um meio de comunicação individual. Não só substâncias químicas, mas o modo como as térmitas se movem ao redor e executam um ato é considerado como sendo os seus meios de comunicação.

Todas as outras térmitas, todas as outras abelhas estão abertas para captar este tipo de informação e elas apenas agem, respondendo de um modo perfeito. Nenhuma precisa dizer para a outra que deveria se comportar assim ou assim. Há uma harmonia que vocês podem ver entre as térmitas e entre as abelhas, e os cientistas observam maravilhados o modo como operam. E agora há uma ciência chamada neurociência, que estuda o cérebro, e os neurocientistas descobriram coisas muito semelhantes. Não há nenhum ego, não há nenhum chefe, nenhum diretor operando no cérebro, há apenas células individuais chamadas neurônios. Quando os cientistas olham profundamente o modo como atuam os neurônios, eles vêem que os neurônios comunicam-se muito bem entre si. Um neurônio específico comunica-se com os outros neurônios do cérebro de forma que a comunicação pode acontecer todo o tempo e os neurônios estão respondendo um ao outro de um modo muito harmonioso, não precisando de um diretor, não precisando de um chefe que lhes diga o que fazer.

Assim, se você quer construir um bom Sangha, um Sangha ideal pode ser observado em nosso corpo, observamos as térmitas, observamos as abelhas, observamos os neurônios e sabemos o melhor modo de fazer isto. Uma das assistentes das monjas sêniors informou a mim que havia um grupo de duas assistentes e uma irmã era cinco ou seis anos mais velha que outra. A assistente jovem simplesmente olhava sua irmã mais velha, observando-a, e de repente ela sabia o que fazer e o que não fazer porque talvez haja muitas coisas ao mesmo tempo para fazer e que deixassem felizes as monjas mais velhas. Então simplesmente observe, permita a si mesmo estar no ambiente, ser penetrado pela informação e então você naturalmente saberá o que fazer para completar as ações dos outros. E vocês não precisam do outro para lhes dizer o que fazer, vocês apenas sabem o que precisa de ser feito naquele momento; então as duas assistentes sem nenhum tipo de comunicação agiam juntas como um time.

Ninguém dando ordens ao outro, e a situação ficava perfeita. Nenhuma palavra é necesária, nenhuma ordem, apenas esteja presente e se torne uno com toda a situação, e você saberá o que fazer e o que não fazer para a harmonia reinar. É muito interessante. Há nenhum pensamento necessário, nenhum pre-arranjo é necessário, nenhuma preparação é necessária, você apenas se permite estar lá, estar atento da situação e então naturalmente sabe o que fazer e o que não fazer para tornar felizes as monjas mais velhas e feliz você também. É como uma peça de música, como uma sinfonia, sem condutor.

O cérebro humano é a coisa mais sofisticada que podemos observar. Há tantos neurônios nele, bilhões dele, e todavia a harmonia reina no cérebro. Suponha que você é de Nova York e vive com dez milhões de outros Nova-Yorquinos e quer criar uma conexão com todos os outros Nova-Yorquinos. Suponha que você consegue dez milhões de fios e amarra um fio em você mesmo e outro fio em outro Nova-Yorquino, e faz o mesmo dez milhões de vezes para que fique conectado um todos os outros. E cada Nova-Yorquino fará a mesma coisa que você. Cada Nova-Yorquino terá dez milhões de fios para ser conectado com outros Nova-Yorquinos. Suponhamos que Nova York é dez vezes maior, esta é a situação de cérebro, um neurônio está em comunicação com todos os outros neurônios. Os neurônios têm impulsos, querem se expressar, querem se comunicar, eles querem fazer algo. E em toda célula individual de cérebro há um tipo de impulso, elas criam impulsos elétricos de si mesmas e todas as outras células os recebem. Os neurocientistas descobriram que a velocidade destes impulsos elétricos enviados por cada neurônio é de 400km/hora e em uma fração de segundo elas enviam novamente. A comunicação é permanente e todos os outros neurônios recebem informação permanentemente. Em um segundo há vários momentos em que impulsos elétricos são enviados de um neurônio para outro ou outros neurônios e eis porque a comunicação sempre se mantém.

Em um Sangha, se queremos que a comunicação continue devemos nos abrir. Nós devemos aprender a arte da comunicação. Nós nos comunicamos pelo modo de caminharmos, o modo como lavamos os pratos, o modo como olhamos nosso irmão ou irmã. Nós podemos nos comunicar de muitas formas, não temos que usar substâncias químicas, como as térmitas, porque nossos pensamentos, nosso corpo e nossa fala são energias, equivalentes às substâncias químicas porque estas são energias de qualquer maneira. Assim todo pensamento que temos em nossas mentes pode ser expressado em nosso modo de olhar, em nosso modo de ação, e assim sempre nos comunicamos. Se a comunicação não o alcança é porque você está bloqueado de alguma maneira. Sua prática é se desbloquear para permitir que a comunicação dos membros do sangha o alcançe.

Os cientistas tentaram muitos modos de entender como o cérebro opera. Suponha que eles toquem música, tocam Beethoven e então observam como as células do cérebro respondem ao ritmo de uma música. Cada nota. Eles observam que certas zonas do cérebro repentinamente se acendem e no outro lado, outra área se ilumina criando uma continuação de oscilação, de um lado para outro. Elas operam precisamente como uma sinfonia e sem qualquer condutor. E um momento de música, uma nota, une-se assim. E você não vê nada, não há nada organizado de forma que você possa ver. Assim tudo fica muito organizado, expresso desta forma e repentinamento tudo fica completamente separado, dissolve-se, você não vê qualquer coisa e no próximo momento tudo voltará a ser assim e a total harmonia será novamente percebida.

Numa das quatro condições que aprendemos, temos que momento prévio de consciência abre o próximo momento de consciência e a base sempre está lá para sustentar tudo. Está perfeitamente organizado em harmonia e de repente não há nada, tudo é desorganizado e no próximo momento será reorganizado novamente de um modo perfeito, e enquanto isso alaya vijnana está sustentando todas as sementes. Se o primeiro momento de consciência não aconteceu, como poderia o segundo momento de consciência surgir? Um momento de manifestação, um momento de emanação, atualmente as pessoas gostam da palavra emanação, não usam a palavra manifestação, mas emanação significa o mesmo: tudo é uma emanação de alaya vijnana, consciência armazenada.

Assim deve haver uma base, uma consciência-raiz a partir da qual elementos se unirão de um modo muito, muito natural, sem qualquer condutor, qualquer ego, expressando-se e dissolvendo-se desta forma como se não houvesse nenhuma organização. E novamente tudo aquilo ressurge, manifesta-se novamente e os cientistas vêem muito claramente que não há ego no cérebro, nenhum condutor, e eles testemunham o fato, a percepção de nenhum ego nenhum cérebro, não há nenhum ego. E os cientistas hoje dizem, o que podemos fazer lhes ajudar, meus amigos budistas, é pôr um selo no ensino do não-eu porque a ciência provou que não há nenhum ego. Nós não podemos fazer mais do que isso, dizem eles.

Isso é verdade porque tantos deles testemunharam a percepção, a verdade do não-eu. Nossos cientistas, neurocientistas e até mesmo os psicólogos e sociólogos têm descoberto a verdade do não-eu. Eles podem escrever, falar, testemunhar a verdade do não-eu mas eles ainda estão impossibilitados de viver esta verdade do não-eu. Assim após sair de seus laboratórios eles vão para casa e continuam vivendo com seus egos, e se comportam com suas famílias e com seus amigos como se eles não tivessem visto a verdade do não-eu.

Isso está acontecendo nos últimos anos do século vinte. Está acontecendo agora mesmo com cientistas descobrindo a verdade do não-eu, da integração, da natureza da interconectividade. Eles podem testemunhar aquela verdade, mas não podem vive-la contudo porque não acharam meios de implementar este discernimento em suas vidas diárias.

Muitos de nós que freqüentamos algum Instituto Budista fazemos o mesmo: nós vamos a uma sala de aula, escutamos nosso professor falar do não-eu e da interconectividade. Acreditamos, temos fé nestes ensinamentos e ainda assim quando regressamos para nossos irmãos e irmãs não aplicamos muito o discernimento do não-eu. Nós ficamos bravos, ainda agimos com ciúme e assim por diante. Nós não somos capazes nos comportar como abelhas, como térmitas, como os neurônios ou células do corpo e nossa prática é confiar no Sangha para poder assim proceder. A construção do Sangha depende de nós e para sermos bons construtores de Sangha nós deveríamos ver a verdade do não-eu. Nós deveríamos ver a verdade da interconexão dos seres e deveríamos nos unir para achar modos de implementar a percepção do não-eu e da impermanência em nosso modo de fazer as coisas junto ao Sangha. E isso é o que temos tentado fazer, isso é o que nos faz diferentes dos cientistas.

Nós não estamos satisfeitos [apenas] com o discernimento do não-eu, queremos viver o discernimento do não-eu. eis porque quando organizamos um retiro, nós o organizamos de tal modo que todo o mundo se comporta como uma abelha. Nós não precisamos de um diretor, não queremos ficar recebendo ordens. Se não queremos receber ordens, a única alternativa é nos abrirmos para ver o que realmente está acontecendo, de forma que possamos saber o que fazer e o que não fazer para que a organização fique perfeita. Assim, quando você organiza um retiro para seus amigos, suponhamos que vocês querem organizar um retiro para homens de negócio. Esta seria uma oportunidade que vocês de juntem e aprendam modos de operar como uma comunidade de abelhas, uma comunidade de térmitas, uma comunidade de células, uma comunidade de neurônios, porque na verdade, atividades reais são assim, baseadas no não-eu, baseadas na integração.

O nosso século, o século que está terminando, é caracterizado pelo individualismo. Nós já não acreditamos na família. A estrutura familiar foi derrubada porque cultuamos o individual. Nós só queremos fazer coisas que nos agradam, satisfazendo nossos desejos íntimos. Nós não nos preocupamos com a família, nós não nos preocupamos com o templo, nós não nos preocupamos com a sociedade, nós apenas seguimos as ordens do ego.

Eles nos dizem que temos de ir para o Vietnam e lutar contra os comunistas. Eles nos falam que de acordo com a Teoria do Dominó se não pudermos parar o comunismo no Vietnam então o comunismo dominará o mundo.

Mas ir para o Vietnam e morrer na selva não são coisas que queremos fazer.

Assim nós resistimos à guerra, resistimos a ir ao Vietnã. No Natal, em vez de falar coisas amorosas, indo para casa com nossas famílias e amigos e rirmos como Papai Noel, ho, ho, ho, dizemos ‘nós não vamos; ho, ho, ho, nós não vamos, nós não vamos para o Vietnã’, porque ir para o Vietnam e morrer. Isso não parece bom. Assim os jovens juntam-se e resistem. Eles se reuniram para resistir são por compaixão, porque se preocupam com as vidas dos vietnamitas, mas porque ir para uma selva no Vietnam e morrer lá não parece bom. Então eles exortam uns aos outros para resistir à guerra e resistir à guerra não por causa da compaixão mas porque aquela guerra não nos pertence. A guerra é sua, sua geração quer esta guerra, nós as pessoas jovens não queremos esta guerra porque não nos sentimos bem com ela.

Assim o movimento de paz não estava baseado em uma idéia humanitária, mas apenas resistindo à velha geração e às idéias da velha geração. O movimento de paz estava baseado no culto do ego, eis porque não foi um movimento real de paz. Isso é o que aconteceu durante os anos sessenta. Se você passou por aquele período, por favor sente-se e olhe para atrás. A resistência à guerra foi um ato bastante egoísta e não realmente compassivo. Foi assim porque havia muita raiva, muito ódio no movimento de paz. Quando eu estava lá pedindo que pararrem o bombardeio, pessoas muitas disseram, "Nós não queremos parar o bombardeio, queremos que a América seja derrotada!", porque eles estavam irados. A derrota da América era seu objetivo, mas como uma pessoa que representava milhões que morreram debaixo das bombas eu queria apenas ver algo mais concreto, imediato, para que as pessoas parassem aquele sofrimento imediatamente, o fim do bombardeio, agora, imediatamente. E o movimento de paz disse, não, nós não queremos o fim do bombardeio, nós queremos apenas a retirada americana, nós queremos uma derrota de América e eles não puderam entender. Porque parar o bombardeio primeiro e nos organizarmos então para outras coisas seria algo mais realista.

Eu estava trabalhando com pessoas que tentavam parar a guerra no Vietnã, e tive muito contato com pessoas do movimento de paz. E os jovens nos anos sessenta, muitos deles operavam na base do ego, não na base da compaixão, da compreensão.

Se for gostoso, faça-o, era esse o lema da geração jovem. E também em relação à guerra eles diziam, faça amor, não a guerra, lembram-se? Porque, fazer amor, isto parece bom, fazer a guerra, isto não parece bom. E por isso nosso século, pelo menos a segunda metade de nosso século, foi caracterizado pelo culto ao ego: o ego pequeno, o ego atomizado. Nós nos preocupamos apenas com nós mesmos, com a uma fama e a riqueza e a consumição pelo ego. O individualismo alcançou seu ponto mais alto na segunda metade do século vinte. Agora os jovens crescem, eles casam, têm trabalho e muitos têm posições importantes no Governo. Os escândalos que eles produzem e nos fazem também sofrer vem desta tradição, desta energia de hábito de servir ao ego.

Vamos olhar profundamente na situação do Sr. Clinton e sua família. Clinton era uma criança durante os anos sessenta, ele também foi para as ruas manifestar-se contra a guerra; inteligente, ativo. Diferente de John F. Kennedy, ele operava em outra base. John F. Kennedy era por demais católico. O que aconteceu durante o reinado do Sr. Clinton? O escândalo se perpetuou, e perpetuou, e perpetuou, ao ponto de termos desejo de vomitar, eis o resultado de tal situação. Olhem o Sr. Clinton, olhe para a situação de sua família, olhe sua base espiritual. Nós podemos descobrir muito em relação à situação da geração jovem que surgiu na segunda metade do século XX.

Agora as pessoas já não acreditam em sua igreja, em sua tradição espiritual, as pessoas não têm uma família sólida, não acreditam mais na família. Quando você não acredita na família não pode construir uma. Você não tem felicidade na família, você sente que a felicidade só é possível quando busca fama, poder e riqueza. A felicidade reside na capacidade de consumir. Isso está muito claro, e muitas pessoas do terceiro mundo começam a imitar o Ocidente. Na China, no Vietnã, e em outros países as pessoas abandonaram sua tradição espiritual. Elas não acreditam mais no Budismo. Elas estão procurando consumo. Elas querem comprar o equipamento audiovisual mais sofisticado, querem consumir telefones portáteis, fac-símiles, televisão colorida e assim por diante. Esse é o significado de suas vidas, consumir, satisfazer desejos pessoais. Desejos Privados, em Vietnamita.

Esta é a situação em que nos encontramos neste século que está terminando, o culto do ego. O individualismo criou muito sofrimento. Drogas, álcool, AIDS, destruição da estrutura familiar, nenhuma vida espiritual, enfermidade mental; tudo isso caracteriza a segunda metade de nosso século. Nós temos algumas semanas para ter o trabalho de fazer o exame dos nossos egos, o exame de nosso século. Nós iremos embarcar em um novo século muito em breve, em duas semanas.

Nós deveríamos usar nosso tempo para praticar o olhar profundamente. O que nossos ancestrais fizeram, como viveram suas vidas e como vivemos nossas vidas, o que nós fazemos agora. Olhando profundamente. Diariamente dê-se uma hora, duas horas, praticando o sentar ou caminhar, de modo a olhar para trás e ver você mesmo e sua situação. Nós queremos começar novamente, queremos um tipo diferente de direção para o século vinte, nós não queremos continuar assim. Porque esta seria uma continuação de nossa destruição e da destruição de outras espécies. Nós queremos tomar outra direção.

Nós não queremos seguir na direção do individualismo, nós não queremos continuar na direção do culto ao ego. Nós queremos viver em harmonia, no espírito do não-eu, no espírito de interconexão. Nós não queremos mais seguir o culto do ego. O Sangha é nossa direção. Construir um Sangha é uma das tarefas mais nobres que fazemos, e um Sangha poderia ser o refúgio para todos nós no próximo século. Para que o Sangha seja construído temos que nos desbloquear, para que a informação venha até nós. Como as abelhas, elas são capazes de receber a informação de outras abelhas. Como as células em nossos corpos, elas são capazes de saber o que fazer e o que não fazer para que a harmonia reine no corpo.

Nós queremos nos comportar como as células de nosso cérebro. Eles estão em comunicação permanente uma com a outra, não precisam de um condutor, não precisam de um diretor, não precisam de um ego. O discernimento está presente e a ciência já testemunhou o valor do discernimento. O que resta fazer é nos unirmos e tentar nosso melhor para viver este discernimento. E o Buddha ofereceu tantos modos de implementar este discernimento em nossa vida diária para que possamos sofrer menos, para que não façamos sofrem as pessoas ao nosso lado. Essa é uma tarefa muito básica de construção de um Sangha.

A mensagem que eu enviei no dia 4, chamada Mensagem do Novo Século, contém algumas das coisas que eu acabei de compartilhar com vocês. Eu gostaria que cada um de vocês obtenha uma cópia para usar como um instrumento de prática do olhar profundamente, olhar para atrás para nós mesmos, para nossa situação, para nosso século de modo a saber qual direção temos que tomar no começo do século vinte e um.

Uma versão vietnamita foi enviada para o Vietnam em 4 de dezembro. Nós não temos o texto em francês, mas Thay Doji fará isto logo. Eu tenho quatro cópias em inglês e penso que darei uma para cada hamlet. Este é um instrumento para nós praticarmos o olhar profundamente e haverá muitos amigos vindo para o Ano Novo e o Natal. Eu penso que temos que oferecer para cada um deles uma cópia. No momento em que eles chegarem a nós deveríamos convida-los a ler a mensagem e refletir sobre ela. Todo o mundo deveria ter diariamente pelo menos uma hora ou duas para fazer a prática de olhar profundamente, e esta é a prática de começar novamente. Nós temos que olhar profundamente de modo a saber o que parar. O que nós não deveríamos fazer mais, o que não deveríamos perpetuar mais para abrir um novo espaço para nós e para nossas crianças.

Olhar Profundamente é nosso trabalho, a única coisa que vale a pena enquanto estamos em Plum Village é praticar o olhar profundamente. Em 31º dezembro darei uma palestra de Dharma às cinco da tarde, e uma mensagem será um pouco como a mensagem nesta palestra de Dharma, com mais detalhes e com um convite para refletirmos. Alguns de vocês foram parte da nação de Woodstock? Alguns de vocês estavam em Woodstock?

(três sinos)

Sarve Bhavantu Mangalam – Que Todos os Seres Sejam Felizes


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