Jornada no Agora

Steve Hagen
Do livro “Budismo claro e simples”

O homem conhecido por nós como Buda viveu no norte da Índia (atual Nepal) no século VI a.C. Originariamente chamado de Gautama, ele foi o único filho de um rei abastado que governou um país pequeno. Quando menino e adolescente, Gautama teve uma existência cheia de mimos e protegida no palácio do pai. Este assegurou-se de que Gautama recebesse o melhor de tudo: as melhores roupas, a melhor educação e bastantes servos para fazer suas vontades.

Na realidade, a vida de Gautama era tão protegida que ele nada sabia sobre doença, morte nem sofrimento humano, até o dia em que, quando jovem adulto, ouviu falar da morte de um servo. Pela primeira vez, de repente, ele deparou com a realidade de que a vida humana inevitavelmente traz a doença, a velhice e a morte. Ele viu-se incapaz de negar ou pôr de lado esse conhecimento recém-descoberto, que logo começou a perturbá-lo cada vez mais. Qual era o valor da vida humana, ele perguntava a si mesmo, se era tão passageira, incerta e cheia de sofrimento

A pergunta o assombrou até que ele já não pôde desfrutar dos prazeres passageiros de sua vida de luxo. Ele decidiu deixar a casa da sua família e renunciar à chance de se tornar rei, pois ele passara a ver o poder e a riqueza como um verniz que encobria uma vida que tinha a tristeza e a perda em seus fundamentos. Escolheu em vez disso dedicar o seu tempo e energia a descobrir um modo de se desembaraçar do desespero universal que parecia formar a própria base da existência humana.

Durante seis anos ele vagou pelo vale do Rio Ganges, enquanto aprendia os vários sistemas e práticas dos grandes mestres religiosos de sua época. Embora fosse um discípulo aplicado que depressa dominava tudo o que lhe era ensinado, nada descobriu nessas doutrinas e práticas que o satisfizesse, nada que dissipasse a profunda tristeza que lhe enchia o coração e a mente. Assim, deixou os mestres e seguiu seu próprio caminho.

E então, enquanto estava sentado sob uma árvore, Gautama conheceu a iluminação. Por fim, ele compreendeu inteiramente o problema humano, sua origem, suas ramificações e sua solução.

Dali em diante, ele passou a ser conhecido como o Buda, que quer dizer "o que despertou’. Durante os 45 anos seguintes, ele ensinou o caminho da iluminação para homens e mulheres, nobres e camponeses, instruídos e analfabetos, os homens bons e os ignóbeis, sem fazer a menor distinção entre eles. Sua doutrina da libertação do sofrimento humano e do desespero é universal, e até hoje permanece acessível a qualquer um que a examine, entenda e a ponha à prova.


Certo dia, logo depois da iluminação do Buda, um homem o viu caminhando na sua direção. O homem não ouvira falar do Buda, mas pôde ver que havia algo diferente ria pessoa que estava se aproximando, de modo que ele se viu tentado a perguntar: "O senhor é um deus?"
O Buda respondeu: "Não."
"Um mágico, então? Um feiticeiro? Um bruxo?" "Não.
"Algum tipo de ser celestial? Um anjo, talvez?" Novamente o Buda disse: "Não."
"Bem, o que o senhor é então?"
O Buda respondeu: "Estou desperto."


O Buda nunca se considerou diferente de um ser humano só alguém completamente desperto. Ele nunca reivindicou para si o status de um deus, nem de ser inspirado por Deus, nem de ter acesso a nenhum poder oculto ou sobrenatural. Ele atribuía sua compreensão e entendimento somente ao empenho e à capacidade humana.

Chamamos Gautama "o Buda’, mas muitos outros budas, muitos outros seres humanos despertos, existem e existiram. E todo buda — passado, presente e futuro — é um ser humano, não um deus.

Buda não é alguém a quem você reza, ou de quem tenta conseguir algo. Tampouco um buda é alguém a quem você se curva. Um buda simplesmente é uma pessoa que está acordada — nada mais nada menos.

O Budismo não é um sistema de crença. Não versa sobre aceitar certas doutrinas nem acreditar num conjunto de reivindicações ou princípios. Na realidade, é exatamente o oposto. Ele versa sobre examinar clara e cuidadosamente o mundo, sobre testar todas as coisas e cada idéia. O Budismo é sobre ver Conhecer em vez de acreditar ou esperar ou querer. Também é sobre não ter medo de examinar qualquer coisa e todas as coisas, incluindo as nossas próprias atividades.

Seja como for, precisamos examinar a própria doutrina do Buda. Este convidava as pessoas, em todas as ocasiões, a testá-lo. "Não acredite em mim porque você me vê como o seu mestre", ele disse. "Não acredite em mim porque os outros acreditam. E não acredite em nada pelo fato de o ter lido num livro. Não deposite sua fé em relatos, na tradição, em boatos, nem na autoridade de líderes religiosos ou de textos. Não confie na simples lógica, nem na inferência, nem nas aparências, nem na especulação."

O Buda enfatizou repetidamente a impossibilidade de algum dia chegar à Verdade desistindo de sua própria autoridade e seguindo a opinião dos outros. Esse caminho só conduzirá a uma opinião, sua ou de outra pessoa.

O Buda encorajava as pessoas a saber por vocês mesmas que certas coisas são nocivas e erradas. E quando vocês fizerem isso, então desistirão delas. E quando souberem por si mesmas que certas coisas são saudáveis e boas, então as aceitarão e seguirão.

A mensagem é sempre examinar e ver por si mesmo. Quando você vir por si mesmo o que é verdadeiro — e esse é realmente o único modo pelo qual você pode conhecer genuinamente qualquer coisa — quando isso acontecer, aceite—o. Até ai, apenas deixe de lado o julgamento e a critica.

O ponto central do Budismo é apenas ver. Isso é tudo.


Não podemos abordar o Budismo, nem começar qualquer real investigação sobre a Verdade, com alguma suposição ou crença de qualquer tipo. Devemos estar dispostos a ver as coisas como são, em lugar de vê-las como esperamos e queremos que elas sejam.

Portanto, o Budismo autêntico começa com o fato. Começa com a percepção — com a experiência direta.

O Budismo verdadeiro realmente não é um "ismo". É um processo, uma consciência, uma abertura, um espírito de investigação — não um sistema de crença, nem mesmo (como normalmente o entendemos) uma religião. E mais exato chamá-lo de "a doutrina dos despertos’, ou o budadharma. Como a ênfase deste livro está na doutrina dos despertos e não em nenhuma apresentação sectária, daqui em diante usarei comumente o termo buda-dharma" em lugar de "Budismo

A doutrina do Buda não leva muito a sério o que é escrito. Os escritos budistas (inclusive este livro) podem ser comparados a uma balsa. Unia balsa é uma coisa muito útil para transportá-lo sobre a água, de uma margem a outra; mas, uma vez que você tenha chegado à outra margem, você já não precisa da balsa. Realmente, se você quiser continuar sua viagem além da margem, você deve deixar para trás a balsa.

Nosso problema é que tendemos a nos apaixonar pela balsa. Em pouco tempo, pensamos: "Essa foi uma balsa muito boa, serviu-me bem. Quero conservá-la em meu poder e levá-la comigo para continuar a minha viagem. Mas se conservarmos em nosso poder as doutrinas budistas — ou quaisquer doutrinas — no final das contas elas se tornarão um obstáculo. As doutrinas budistas e os escritos podem ajudá-lo, mas você não achará a Verdade neles, como se a Verdade de alguma maneira estivesse nas palavras do Buda. Nenhuma palavra — do Buda, minha ou de alguém mais — pode ver por você. Você deve fazer isso por si mesmo, como o Buda fez enquanto estava sentado debaixo de uma árvore há centenas de gerações.

As palavras do Buda também podem ser comparadas a um dedo que aponta para a lua Seus ensinamentos podem indicar a Verdade, mas eles não podem ser a Verdade. Budas — pessoas que estão despertas — só podem apontar o caminho.

Não podemos apreender a Verdade com palavras. Só a podemos ver, ter a experiência dela, por nós mesmos.


Se você apontar a Lua para um gato, ele provavelmente não olhará para o céu; ele cheirará o seu dedo. De modo semelhante, é fácil para nós ficar fascinados por uma doutrina particular, ou um mestre, por um livro, por um sistema, por uma cultura, ou por um ritual. Mas o buda-dharma— a doutrina dos despertos — nos leva a nos concentrar não no dedo que aponta, mas na experiência da própria Verdade.


O Budismo às vezes é chamado de religião não-histórica. Em outras palavras, ele não conta uma história da criação, nem especula sobre se estamos indo em direção a um céu ou a uma vida após a morte de nenhum tipo. Realmente, o buda-dharma não fala de origens nem de fins. Trata-se sobretudo de uma religião do meio; na realidade, é sempre chamada de caminho do meio.

O buda-dharma o levaria a começar com o que é dado na sua experiência direta. Não lhe pedirá que aceite uma crença, nem que tente responder por alguma coisa presumida ou imaginada. O buda-dharma não lhe pede que aceite explicações particulares de como as coisas são. A Verdade não precisa de nenhuma explicação. Só precisa ser vista.


O Buda disse que a condição humana é como a de uma pessoa ferida com uma flecha. A situação é dolorosa e urgente; mas, em vez de conseguir ajuda imediata para a nossa aflição, pedimos detalhes sobre o arco do qual a flecha foi disparada. Perguntamos quem fez a seta. Queremos saber sobre a aparência e a educação da pessoa que retesou o arco. Perguntamos por muitas coisas — inconseqüentes — enquanto negligenciamos o nosso problema mediato. Perguntamos pelas origens e pelos fins, mas deixamos esquecido o momento atual. Nós o deixamos esquecido mesmo que vivamos nele.

Devemos primeiro aprender como fazer a jornada no agora.


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