Heráclito


Heráclito (540 – 470 a.C.) [*]

Era contemporâneo de Parmênides. É conhecido pelos seus escritos não muito claros, especialmente em sua obra Acerca da Natureza onde aparecem diversas sentenças breves em forma de prosa.

Ele observa o constante devir das coisas, o mundo está em um perpétuo fluxo. O mundo inicia com uma substância, essa substância explica o devir constante através de si próprio. Para ele essa substância é o fogo, que não é algo corpóreo, mas ativo, com inteligência e foi criado. Qualquer mudança que ocorre no mundo se dá através do fogo. O que está mudando ou está indo ao fogo ou está voltando. Esse fluxo eterno é um processo dialético. Para ele a dialética é inicialmente o raciocinar de uma direção à outra. Ela é própria do objeto a que se observa, mas está também no sujeito que observa. Heráclito tenta com isso fundar e buscar a dialética como começo.

Heráclito consegue com o devir trazer um grande avanço para a filosofia. Com o devir a filosofia deixa de ser estática e passa a contemplar também o movimento. O movimento para o filósofo de Éfeso é o próprio princípio.

Para Heráclito o Ser é o único. É nele que tudo começa e após ele temos o devir. Desta forma ele é o primeiro filósofo a utilizar a especulação para fazer filosofia. Para fazer especulações filosóficas ele utiliza a pesquisa e através da pesquisa busca alcançar clareza para os pressupostos da filosofia. A própria natureza da filosofia impõe que ela seja feita através da pesquisa e a especulação é necessária porque essa natureza gosta de se esconder. A natureza não entrega seus fundamentos de forma fácil. Alcançar seus conhecimentos é uma busca difícil para os filósofos e impossível para a maioria dos homens.

Os filósofos vão além da esperteza demonstrada por alguns indivíduos que aparentam saber muitas coisas, mas não alcançam a verdadeira inteligência. A verdadeira inteligência dos filósofos vai se dedicar a estudar os diversos objetos, mas buscando sempre colocá-los em uma unidade.

Além do mundo o homem deve examinar a si próprio. Na pesquisa o filósofo pode encontrar diversas respostas diretas e claras a respeito do mundo. Mas ao pesquisar a si próprio o homem vai encontrar uma profundidade infinita de conhecimentos a serem descobertos. Quanto mais nos aprofundamos em nós mesmos mais percebemos que somos mais profundos. Essa descoberta de nós mesmos jamais termina. A razão última do que sou vai sempre estar fora do meu alcance, quanto mais conhecimento tenho de mim mesmo mais percebo que tenho outros conhecimentos a conhecer sobre mim mesmo. Esse processo cada vez mais profundo e cada vez mais íntimo de conhecer a mim mesmo não tem fim.

Outro rumo que as pesquisas filosóficas devem tomar, além do mundo e de si mesmo, é também sobre a nossa relação com os outros. Buscar a essência da nossa relação com os outros é mais um dos objetivos da filosofia, pois estamos ligados aos outros através de uma comunidade natural. O filósofo deve buscar a razão, a essência da natureza que nos liga a nós mesmos, ao mundo e aos outros. Esta razão da natureza é a lei que tudo regula, regula o homem, regula a relação entre os homens e regula a natureza externa. Esta lei é o ser do mundo e este ser é que vai se revelar na pesquisa filosófica.

Ter essa atitude filosófica é para Heráclito uma opção constante que os homens têm que fazer. É semelhante à opção de estar acordado ou dormindo, entre fechar-se em si em seu pensamento e abrir-se à comunicação consigo mesmo, com os outros e com o mundo objetivo. Quem está dormindo se isola como indivíduo. Quem está acordado vai pesquisar além das aparências e pode alcançar o mais profundo da própria consciência, da relação com os outros e a essência da lei única de todas as substâncias que coordena o mundo. Esta opção entre estar dormindo ou acordado para o mundo é a opção que pode levar o homem à esperteza ou à sabedoria, ela determina também qual será o caráter do homem, que é o que vai definir o seu destino.

A pesquisa para Heráclito deve clarear e aprofundar o significado e também o seu contrário. O que fundamenta e cria tudo não é uma unidade totalizante, mas nela coexistem e são necessários os contrários. Para entender o fundamento de tudo é necessário juntar o completo e o incompleto. É a união dos opostos que vai gerar a unidade da mesma forma que da unidade vão ser gerados os opostos. A diferença entre os opostos constitui um significado essencial e racional da própria diferença. Com essas teorias ele funda também a dialética.

Heráclito não percebe a unidade como harmonia, como sendo a síntese dos contrários, um ponto onde as divergências das oposições se anulam. É a unidade que permite a existência dos contrários. A diferença é uma unidade porque é uma relação e a relação só é possível entre contrários. Se as diferenças forem anuladas, anula-se também a unidade. Deus também é identificado com essa relação entre os contrários, entre os opostos, que apesar de mudarem constantemente continuam existindo e tem a capacidade de conter em si a unidade.

Sentenças:
– Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio.
– A doença faz da saúde algo agradável e bom.
– O Deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome; mas se alterna como o fogo, quando se mistura a incensos, e se denomina segundo o gosto de cada um.
– Os que procuram ouro escavam muita terra, mas encontram pouco metal.
– Procurei-me a mim mesmo.
– Tu não encontrarás os confins da alma, caminhes o quanto caminhares, tão profunda é ela.
– Este mundo, que é o mesmo para todos, não foi criado por qualquer dos deuses ou dos homens, mas foi sempre, é e será fogo eternamente vivo que ordenadamente se acende e regularmente se extingue.
– Se não esperares, não irás achar o inesperado, porque ele não se pode achar e é inacessível.
– É necessário seguir o que é comum a todos porque o que é comum é geral.
– São iguais, os vivos e os mortos, os que estão acordados e os que dormem, os jovens e os velhos: porque cada um destes opostos quando se transformam tornam-se o anterior.
– A luta é a regra do mundo e a guerra é que cria todas as coisas.

[*] – Heráclito era de Éfeso, na atual Turquia. Ele pertenceu à nobreza pois sua família era descendente do fundador da cidade. Pode ser que por esse motivo ele desprezava o povo simples e nunca interferiu na política. Desprezou também os antigos poetas, os filósofos de sua época e a religião.

Arildo Luiz Marconatto – www.sofilosofia.com.br