A mente em meditação


O que, então, devemos “fazer” com a mente em meditação? Absolutamente nada. Deixa-la como está Um mestre descreveu a meditação como “a mente suspensa no espaço, em lugar nenhum”.

O ditado é famoso: “Se a mente não é fabricada, aparece espontaneamente imbuída de uma felicidade sublime, assim como a água que se mostra naturalmente transparente e límpida quando não é agitada”. Com freqüência comparo a mente em meditação com um jarro d’água barrenta: quanto menos interferências ou agitação tiver, mais partículas de terra se depositam no fundo, permitindo que a claridade natural da água transpareça. A própria natureza da mente é tal que se você a deixa em seu estado inalterado e natural, ela encontrará sua verdadeira natureza, que é bem-aventurança e claridade.

Tome cuidado, portanto, para não impor nem cobrar nada à mente. Ao meditar, não deve haver qualquer esforço na direção do controle, nem empenho em ser pacífico. Não seja solene demais nem se sinta como se estivesse tomando parte num ritual especial; deixe de lado até a idéia de que está meditando. Seu corpo e a sua respiração devem ser entregues a si mesmos. Pense em si próprio como o céu, sustentando todo o universo.

UM DELICADO EQUILÍBRIO

Na meditação, como em todas as artes, deve haver um equilíbrio sutil entre relaxamento e estado de alerta. Uma vez um monge chamado Shrona estava estudando meditação com um dos discípulos mais próximos do Buda. Estava tendo dificuldades em encontrar a abordagem correta da mente,. Tentou com esforço se concentrar e acabou tendo uma forte dor de cabeça. Então relaxou sua mente, mas a tal ponto que terminou dormindo. Finalmente apelou para o Buda, pedindo socorro. Sabendo que Shrona fora um músico famoso antes de se tornar monge, o Buda perguntou-lhe:

“Você não era um tocador de vina quando leigo?”

Shrona concordou.

  • “Como tirava o melhor som da sua vina? Era quando as cordas estavam tensas, ou quando estavam frouxas?”
  • “Nem uma, nem outra, Quando tinham a tensão correta, nem esticadas nem frouxas”.
  • “Bem, é exatamente a mesma coisa com a sua mente”.
  • Uma das maiores mestras tibetanas, Ma Chik Lap Drön, disse: “Alerta, alerta; todavia relaxe, relaxe. Esse é um ponto crucial para a Visão na meditação”. Vigie sua vigilância, mas ao mesmo tempo fique relaxado, tão relaxado de fato que você nem se apegue à idéia de relaxamento.

PENSAMENTOS E EMOÇÕES: AS ONDAS E O OCEANO

Quando as pessoas começam a meditar, sempre dizem que seus pensamentos estão desenfreados e tornam-se mais agitados do que nunca. Mais eu as tranqüilizo dizendo que esse é um bom sinal. Longe de significar que seus pensamentos estão muito agitados, isso mostra que você ficou mais tranqüilo e está finalmente cônscio do quão ruidosos seus pensamentos sempre foram. Não se desencoraje ou desista. O que quer que surja, apenas mantenha-se presente e continue voltando-se para a sua respiração, mesmo no meio da maior confusão. (…)

Tal como o oceano tem ondas e o sol tem raios, a radiância própria da mente são seus pensamentos e emoções. O oceano tem ondas, mas não é particularmente perturbado por elas.

As ondas são a mesma natureza do oceano. As ondas aparecem, mas para onde vão? De volta ao oceano. E de onde vêm? Do oceano. Do mesmo modo, pensamentos e emoções são a radiância e a expressão da verdadeira natureza da mente. Eles surgem na mente, mas onde se dissolvem? Na própria mente. O que quer que apareça, não o encare como um problema particular; se você não reage de maneira impulsiva, se sabe ser apenas consciente, isso assentará novamente em sua natureza essencial. (…)

Assim, não importa que pensamentos e emoções apareçam, permita que eles venham e assentem, como as ondas do oceano. Não importa o que se perceba pensando, deixe esse pensamento surgir e se assentar, sem interferência. Não se apegue a ele, não o alimente, não lhe preste demasiada atenção; não se agarre a ele e não tente dar-lhe solidez. Nem siga ou convide os pensamentos; seja como o oceano olhando para suas próprias ondas ou o céu do alto observa as nuvens que passam por ele. (…)

Meu mestre [Jamyang Khyentse Rinpoche] teve um estudante chamado Apa Pant, um destacado diplomata e autor indiano que serviu como embaixador da Índia em várias capitais ao redor do mundo. Ele foi até representante do governo da Índia no Tibet, em Lhasa, e noutro momento do Sikkim. Era praticante de meditação e yoga, e cada vez que via meu mestre perguntava-lhe “como meditar”. Seguia uma tradição oriental em que o estudante continua interrogando com uma pergunta simples e básica, repetidamente.

Apa Pant me contou essa história. Um dia nosso mestre Jamyang Khyentse estava observando uma “Dança do Lama” em frente do palácio-templo em Gantok, capital do Sikkim, e ria-se das cabriolas do atsara, o palhaço que apresentava divertimentos leves entre as danças. Apa Pant continuava assediando nosso mestre e, desta vez, quando este respondeu, deixou claro que seria a resposta final e definitiva:

“Veja, é isso aqui: quando o pensamento passado acaba e o futuro ainda não começou, não há um intervalo?”



“Sim”, disse Apa Pant.

“Pois é, prolongue-o: isso é meditação”.

DANDO UM TEMPO

As pessoas perguntam sempre: “Por quanto tempo devo meditar? E quando? Devo praticar vinte minutos pela manhã e à noite, ou é melhor fazer várias sessões curtas, ao longo do dia?” Sim, é bom meditar durante vinte minutos, mas isso não significa que vinte minutos é o limite. Nunca li nada sobre vinte minutos nas escrituras; acho que essa é uma noção de tempo que foi inventada no Ocidente, e costumo chamá-la de “Tempo-Padrão Ocidental de Meditação”. A questão não é por quanto tempo você vai meditar, a questão é saber se a meditação de fato lhe traz certo estado de presença mental em que você está um pouco aberto e pode entrar em contato com a essência do seu coração. E cinco minutos de prática sentado, plenamente consciente, têm valor muito maior do que vinte minutos de cochilo!

Dudjom Rinpoche dizia que um iniciante devia praticar em sessões curtas. Praticar por quatro ou cinco minutos e então fazer uma pequena pausa de apenas um minuto. Durante a pausa deixar o método de lado, mas não abandonar o estado desperto de sua consciência. É curioso que às vezes, quando você está lutando para praticar corretamente, no exato momento em que descansa o método — se ainda está alerta e no presente — é que a meditação de fato acontece. Por isso a interrupção é parte tão importante da meditação quanto o sentar-se em si. Às vezes digo a alunos que estão tendo problemas com a prática para praticarem a interrupção e descansarem durante a meditação!(…)

“O LIVRO TIBETANO DO VIVER E DO MORRER” – Sogyal Rinpoche – Ed. Talento


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