Erros na pratica

Texto de Shunryu Suzuki, extraído do livro
Mente ZEN, mente de principiante

“Quando sua prática é um tanto ambiciosa é aí que você desanima com ela. Logo, você deveria ser grato por receber um sinal, um aviso mostrando o ponto fraco de sua prática. “

É necessário compreender que há diversas formas impróprias de praticar. Geralmente, quando você começa a praticar zazen, torna-se muito idealista e estabelece um modelo ou uma meta que você luta por alcançar e realizar. Mas, como já disse várias vezes, isso é um contra-senso. Ao ser idealista, você alimenta alguma idéia de ganho; no momento em que alcançar seu ideal ou objetivo, sua idéia de ganho ira criar um novo ideal. Portanto, enquanto sua prática estiver fundada em uma idéia de ganho e você fizer zazen de forma idealista, não haverá tempo que chegue para atingir de fato o seu ideal. Alem do mais, você estará sacrificando o próprio cerne de sua prática. Porque ao colocar seu objetivo sempre a frente, você estará prejudicando-se agora por um ideal futuro. Assim não se consegue nada. Isso carece de sentido; não é absolutamente uma prática adequada. Mas pior ainda que essa atitude idealista é praticar zazen competindo com outra pessoa. Essa é uma maneira pobre e desprezível de praticar. Nossa maneira Soto de praticar enfatiza o shikan taza, ou seja, simplesmente sentar-se . Na verdade, não temos nenhum nome especial para nossa prática; quando praticamos zazen apenas praticamos e, quer encontremos ou não alegria nessa prática, simplesmente a realizamos. Mesmo que estejamos com sono ou cansados de praticar zazen, pelo fato de repetir a mesma coisa dia após dia, mesmo assim, continuamos nossa prática. Haja ou não alguém que encoraje nossa prática, nós simplesmente a fazemos. Mesmo que você pratique zazen sozinho, sem um mestre, penso que encontrará maneiras de saber se sua prática é adequada ou não.

Quando estiver cansado de sentar ou entediado com sua prática, deve reconhecer nisso um sinal, um aviso. Você desanima com sua prática quando ela é idealista. Tendo alguma idéia de ganho, sua prática não está sendo suficientemente pura. Quando sua prática é um tanto ambiciosa é aí que você desanima com ela. Logo, você deveria ser grato por receber um sinal, um aviso indicando o ponto fraco de sua prática. A essa altura, deixando para trás seu erro e renovando seu caminho, você pode retomar sua prática original. Este é um ponto muito importante. Enquanto continuar praticando você estará em segurança mas, como é muito difícil perseverar, tem de procurar um jeito de encorajar a si mesmo. Por ser difícil encorajar a si mesmo sem se envolver em alguma forma imprópria de prática, perseverar sozinho na prática pura pode ser bastante árduo. É por isso que temos um mestre. Com seu mestre você pode corrigir sua prática. Claro que com ele você passará momentos duros; entretanto, estará livre de praticar de maneira errada.

A maioria dos monges zen-budistas passou tempos difíceis com seus mestres. Quando eles falam sobre as dificuldades, você pode pensar que sem passar por elas não conseguirá praticar za- zen. Mas não é verdade. Tendo ou não dificuldades na prática, desde que persevere, ela estará sendo pura no seu verdadeiro sentido, mesmo que você não esteja consciente disso. Eis a razão pela qual Dogen disse: Não pense que você necessariamente terá consciência de sua iluminação. Esteja ou não consciente dela, você tem sua iluminação verdadeira dentro da sua prática. Outro engano é praticar pelo prazer que isso lhe proporciona. De fato, quando sua prática está envolvida com um sentimento de gozo, não é a melhor prática. Claro que nesse caso não se trata de uma forma imprópria de praticar, mas, se comparada à verdadeira prática, não é tão boa. No budismo Hinayana a prática é classificada em quatro etapas. A melhor delas é praticar sem ter com isso qualquer alegria, nem mesmo alegria espiritual. Simplesmente praticar, esquecendo suas sensações tanto físicas como mentais, esquecendo tudo acerca de você mesmo e de sua prática. Essa é a quarta etapa, a mais elevada de todas. A etapa precedente é a de ter simplesmente prazer físico na prática.

Nessa etapa você sente prazer com sua prática e a leva adiante por causa do prazer que encontra nisso. Na segunda etapa, encontrará prazer físico e também mental, ou seja, bem-estar. Nessas duas etapas intermediárias, você prática zazen pelo bem-estar que sente na sua prática. A primeira etapa é quando você não tem nem pensamento nem curiosidade na sua prática.
Essas quatro etapas se aplicam também a nossa prática Mahayana, e a mais elevada é apenas praticar. Se você encontrar dificuldades em sua prática, é sinal de que tem alguma idéia errada a respeito dela e convém tomar cuidado. Mas não abandone a prática; continue com ela ciente da sua fragilidade. Aqui não há idéia de ganho. Aqui não há idéia fixa de conquista. Você não diz "isto é iluminação" ou "essa não é a prática correta". Mesmo na prática errada, desde que tome consciência do fato e persevere, sua prática estará sendo correta. Nossa pratica pode não ser perfeita, mas temos de continuar, sem permitir que isso nos desencoraje. Esse é o segredo da prática. E se você quiser encontrar algum incentivo dentro do seu desanimo, o próprio cansar-se da prática já é por si só um estimulo. Encoraje a si próprio quando estiver cansado dela. 0 não querer faze-la é um sinal de aviso. É como a dor provocada pelo dente que não esta bom.

Quando você sente dor de dentes você vai ao dentista. Esse é o nosso caminho. A causa do conflito é alguma idéia preconcebida ou unilateral. Quando todos reconhecerem o valor da prática pura, haverá poucos conflitos em nosso mundo. Este é o segredo da nossa prática e o caminho do mestre Dogen. Dogen insiste nesta questão no livro Shobogenzo (Um tesouro do verdadeiro Darma). Se você entender que a causa do conflito está nas idéias preconcebidas ou unilaterais, pode encontrar sentido em várias práticas sem se deixar prender por nenhuma delas. Se não se aperceber disso, você poderá facilmente ficar aprisionado a alguma forma particular e dirá: "Isto é iluminação! Esta é a pratica perfeita. Este é o nosso caminho; os outros não são perfeitos. Este é o melhor caminho" . Grande equívoco. Na verdadeira prática não há caminho especial. Você deve descobrir seu próprio caminho e saber que tipo de prática está fazendo a cada momento. Conhecendo tanto as vantagens como as desvantagens de uma determinada prática, você pode segui-la sem perigo. Mas se tiver uma atitude unilateral, ignorará as desvantagens da prática e dará importância apenas ao lado bom dela. Afinal, você descobrirá o lado pior da prática e ficará desanimado com ela quando já for tarde demais. Isso é tolo. Devemos ser gratos aos antigos mestres por terem nos advertido sobre este equivoco.


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