Meditação e concentração

do livro “Meditação – Uma maneira de viver
de Vimala Thakar

Palestra realizada em Matheran, a 29 de novembro de 1971

Esta manhã, pediram-me para falar sobre a meditação. Como há pessoas nesta reunião que não estão familiarizadas com a oradora e com sua forma de expressão, com o seu modo de falar a língua inglesa, eu gostaria de pedir, logo de início, que sejamos muito cuidadosos com o uso das palavras e também com o ato de escutar. Cada palavra tem uma associação de idéias e de emoções. É extremamente difícil encontrar uma palavra, em qualquer língua do mundo, que não esteja impregnada de associações.

Ora, a palavra “meditação” tem uma variedade infinita de associações, e eu gostaria, portanto, de solicitar a todos que prestem atenção especial às conotações da palavra. Eu não vou usar a palavra “meditação” como derivada do verbo “meditar a respeito de”, “meditar sobre”. Na língua inglesa, “meditar” significa uma atividade mental ou cerebral na qual há uma relação de sujeito e objeto. Eu, um indivíduo, cogito acerca de, medito sobre algum objeto, algum ponto predeterminado por mim, ou por alguém mais, para mim. Nesse sentido, “meditar” seria focalizar a atenção exclusivamente sobre um ponto predeterminado, por um certo tempo, e envolveria esforço consciente para manter a atenção, para focalizar a atenção nesse ponto. Assim, as pessoas estão prontas a acreditar que a meditação é uma atividade mental para enfocar toda a atenção em algum ponto, e mantê-la ali tenazmente. Essa atividade mental deveria ser chamada “concentração” e não “meditação”.

Na língua sânscrita, há duas palavras diferentes: dharana e dhyana. Dharana significa manter, conservar a atenção, cujo equivalente, em inglês, é a palavra concentration [concentração]. Procurarei traduzir para a língua inglesa as conotações do termo dhyana. Vou usar a palavra “meditação” como uma palavra paralela, em inglês, à palavra sânscrita dhyana.

Dhyana, ou meditação, é um estado de ser no qual existe uma percepção sem esforço, sem escolha, do que a vida é em si e ao seu redor. E, portanto, um estado de ser, não uma atividade. Há um mundo de diferença entre os dois. A pessoa pode desabrochar nesse estado de ser. Em outras palavras, a meditação é um modo de viver em atenção dinâmica, numa percepção dinâmica do que a vida é; é um movimento desinibido, descondicionado da consciência individual, em harmonia com o ritmo da vida universal.

Portanto eu gostaria de livrar a palavra “meditação” de uma série de associações. Trata-se de um movimento não-cerebral, de um movimento da consciência individual, mas não do cérebro condicionado, não daquela parte do cérebro que é inibida pelo condicionamento através da educação, da cultura, da civilização e do conteúdo sócio-econômico da vida. O cérebro, que é um órgão físico – uma parte do organismo biológico-, é tão condicionado quanto o resto do organismo físico. Há padrões cerebrais de comportamento. Há uma espécie de corpo cerebral cristalizado – um corpo psicológico. Ele é invisível e se expressa através de palavras, através de movimentos físicos, etc.

A meditação é um movimento não-cerebral da consciência humana, em harmonia com o ritmo da vida interior, da vida exterior e daquilo que a cerca. Não pode ser um meio para um fim. A concentração pode ser um meio para um fim. A concentração pode relaxar os nervos, tranqüilizar a psique perturbada, criar um equilíbrio químico no corpo, estimular os poderes latentes da mente e experiências não-sensoriais. Tudo isso pode ocorrer através da concentração. E as pessoas que vivem numa sociedade altamente industrializada, experimentando uma tremenda fadiga nervosa todos os dias, vivendo sob uma variedade de tensões, de pressões neurológicas e químicas, sentem necessidade mesmo da arte da concentração para desenvolver poderes, adquirir experiências, afinar e elevar a sensibilidade, refinar e sofisticar os órgãos cerebrais. Se a pessoa deseja isso, pode seguir esse caminho. Tal concentração, resultando no desenvolvimento de poderes, pode não levar a uma transformação radical na qualidade de vida. Pode não ter nenhum valor para a base da nossa relação com outros entes humanos.

Portanto a concentração pode estimular poderes, experiências, tornar uma pessoa poderosa; e os que estão perturbados, os que estão cansados dos prazeres sensuais, os que vivem em segurança econômica e política gostam realmente de viajar e vagar no astral, no oculto , para obter experiências não-sensuais, para adquirir poderes transcendentais, e assim por diante. Trata-se de um jogo no mundo psíquico, e o espírito de aventura cria uma compulsão interna para buscar essas experiências. Não há nada de errado nisso, uma vez que a pessoa esteja bem esclarecida em relação ao fim que tem em vista. A vida é para aventuras e experimentações. A concentração não tem nada a ver com religião, com espiritualidade, com a descoberta da verdade, com meditação, com libertação ou Nirvana. Ela se encontra absolutamente na direção oposta – fortalecendo a consciência do eu, aumentando a sensibilidade da consciência do eu, alargando a esfera das experiências e aprofundando a esfera da penetração cerebral. Portanto a pessoa tem de esclarecer a própria mente sobre o que a meditação realmente significa. Não há o que romancear a respeito disso. Trata-se de uma transcendência do cérebro condicionado. Trata-se do despontar de uma pessoa numa dimensão de consciência inteiramente nova, onde o próprio experimentar chega a um fim; onde o experimentador, a consciência do eu, a consciência do ego, é mantida em completa inatividade; onde as fronteiras de tempo e espaço, nas quais a consciência do eu se move, de momento a momento, se desvanecem no nada; onde a dualidade chega a um fim e a relação fragmentária de sujeito-objeto com a vida cessa completamente.

A não ser que sinta uma compulsão para descobrir o que está além da mente, a não ser que se sinta impelida para descobrir o que esta além do cérebro condicionado, o que está além do ato de observação e do observador, do pensamento e do pensador, do que está além do espaço e do tempo, do que está além de todos esses símbolos, do que está além das maneiras cerebrais de comportamento; a não ser que haja uma paixão inata para achar, para descobrir por si mesma, a pessoa não estará preparada para viver de uma forma meditativa.

A meditação é todo um modo de viver; não uma atividade parcial ou fragmentária. Não sei se existe uma maneira oriental ou ocidental de considerá-la. A vida não é nem ocidental nem oriental. A vida é pura existência. Ela apenas é. Os limites de raça, país e religião, as fronteiras de tempo e espaço são absolutamente irrelevantes para a vida e o viver.

E, então, sinto acaso uma compulsão para descobrir o que é tempo, o que é espaço e o que está além disso; o que é mente, o que é pensamento, e o que está além? Sinto acaso uma compulsão – não como uma reação às frustrações, aos insucessos ou desapontamentos da vida; não como uma reação à ambição aquisitiva, para obter algo diferente da aquisição material, econômica ou política? Se trata-se de uma reação às ambições, frustrações ou fracassos na vida, então a busca me conduzirá somente até onde me leve o impulso da reação. Eu terei de ultrapassar o ímpeto do desapontamento, da frustração, ou da ambição. É, portanto, absolutamente necessário possuir a chama pura, sem fumaça, da investigação, que é a compulsão para achar, para descobrir, para aprender, não para qualquer outro fim senão pela própria plenitude de descobrir o significado da vida; pela graça, pela alegria que está inerente a tudo isso.

Quando existe essa chama de indagação para aprender, para descobrir, para ver, para procurar, pela alegria em si, as inibições dos motivos, das intenções e ambições fenecem. Tal estado não-motivado é vitalmente necessário no começo do descobrimento. Como vocês sabem, cada motivo cria uma inibição e carrega um medo em sua própria sombra. Cada ambição carrega no seu ventre o medo do insucesso e da frustração. A pessoa tem que se preparar para o estado de meditação, para o estado de indagação pura. Uma investigação genuína é absolutamente necessária; este é um ponto a ser enfatizado ao máximo. A indagação não só elimina a inibição dos medos reprimidos, mas uma indagação genuína cria a flexibilidade da humildade – não a rigidez da ambição. A consciência do eu é muito rígida.

Assim, a brandura, a flexibilidade, que vão nos ajudar muito, serão imprescindíveis. O destemor não pode surgir, a não ser que haja a flexibilidade da humildade. Vocês sabem como as crianças são flexíveis e ternas. Todo o seu ser é uma chama de interrogação. Olhem para os seus olhos, seus movimentos; elas querem aprender e crescer. A humildade libera uma energia que não é nem física nem cerebral. Eis por que eu gostaria de chamar a atenção de vocês para a dimensão da humildade que acompanha uma busca genuína. A brandura, a flexibilidade liberam muitas energias latentes – a muscular, a nervosa, a glandular, a cerebral e a não-cerebral – que estavam enclausuradas e bloqueadas devido à rigidez da consciência do eu. Elas são liberadas no momento em que somos flexíveis no espírito de indagação, e desejamos conhecer, descobrir, aprender através dos olhos, dos ouvidos, do nariz, através de cada nervo do ser. Estar no estado de indagação é estar no estado de bem-aventurança, porque a indagação irá explodir na realização. A realização, ou a descoberta, nada mais é que o amadurecimento dessa indagação. A indagação e a realização não são duas coisas separadas. A pessoa é abençoada se está interessada numa indagação genuína, não numa indagação falsa, nem numa atração, fascinação ou excitação intelectual ou emocional. Não há excitação num verdadeiro pesquisador; há uma profundeza de intensidade, não a superficialidade da excitação entusiástica. A excitação, o entusiasmo, o estímulo das emoções e dos sentimentos perturbam o equilíbrio químico do ser. Portanto é preciso assentar a base correta desse estado de meditação, no qual o mecanismo físico e biológico da pessoa está em equilíbrio químico e relaxamento nervoso.

Eu me pergunto se vocês já observaram como as crianças, na idade entre 3 e 6 anos, e aquelas acima dessa idade, aprendem. Vocês as observaram nas classes, no lar, quando fazem os deveres de casa, o modo como se sentam, como tocam a lousa, a delicadeza, a flexibilidade e o desenvolvimento gradual e a manifestação da rigidez de seus modos, conforme elas vão avançando em anos? O pesquisador é como uma criança flexível eterna. Ele é vulnerável ao toque da vida, está exposto, de qualquer ângulo, à realidade da vida, sem qualquer mecanismo de defesa. Na criança, o mecanismo de defesa não funciona, exceto no nível físico; no nível psicológico, a criança está exposta às vibrações da vida. Do mesmo modo, o pesquisador está exposto às vibrações da vida.

Por certo, a meditação requer que a pessoa esteja sadia de corpo e mente. É por isso que a cultura ioga física, a ioga pranaiama – que ajuda a oxigenar o sangue – e as asanas – que ajudam a manter todo o corpo, os sistemas todos, muscular, glandular e nervoso, numa condição muito flexível e branda – são necessárias. O desabrochar numa dimensão não-cerebral é precedido pelo encontro com a mente condicionada, com a mente consciente, a subconsciente e a inconsciente; e não é fácil passar por esse encontro, a não ser que se tenha a força do aço nos nervos. Se não, a pessoa pode fracassar e o sistema nervoso pode ser destruído. Enfrentar face a face o conteúdo do subconsciente e do inconsciente, as discrepâncias, as deficiências e as deformações neuróticas em nossa maneira de comportamento não é fácil. É necessária uma força tremenda para passar por esse encontro. Eis por que é preciso assentar as fundações corretas e ter um organismo físico puro e saudável. Do contrário, o mais leve encontro pode excitar e provocar as lágrimas, a ansiedade, a dança ou o choro. Todos esses acontecimentos são causados pela incapacidade de o sistema nervoso suportar o encontro. Como temos que examinar tantas coisas em tão curto tempo, só lhes posso falar a respeito dos fundamentos.

Pessoas há que se precipitam em despertar poderes, sem equipar seus sistemas nervoso e muscular com a força da pureza, sem assentar a base de uma ordem interna. Elas se lançam a estimular poderes e experiências, seja através de drogas para a expansão da consciência, como o LSD, a mescalina e outras, ou cantando mantras, concentrando ou aceitando a ajuda de alguns tantras, e se viciam em shaktipat para estimular e despertar a kundalini e abrir os chacras. Qualquer que seja o caminho que sigam, se elas se lançam a estimular poderes sem equipar seu sistema nervoso com a força da pureza, elas se lançam em algo muito perigoso, nada científico. Por isso, a minha primeira advertência é: assentar as bases corretas. Precisamos descobrir se este corpo, este belo, complexo e magnífico instrumento que temos, encontra-se em estado de suportar a intensidade da meditação, desse movimento desinibido da consciência em harmonia com a consciência universal.

A intensidade desse movimento desinibido não pode ser comparada com a intensidade dos pensamentos e das emoções. Estes são movimentos cerebrais, são pulsações, e têm sido medidos e controlados. O movimento da meditação, o infinito movimento da vida, tem um impulso de natureza inteiramente diversa. Qualitativamente diferente do movimento de impulsos tais como o desejo sexual, o apetite, o sono. Os pensamentos, as emoções, os sentimentos têm o seu próprio movimento, o seu próprio mecanismo incorporado ao sistema, em reflexos biológicos. A meditação tem um “momentum” qualitativamente diferente dos pensamentos. É muito mais intenso; sua profundidade e sua intensidade não podem ser medidas pela mente. Eis a razão por que esta base da purificação de todo o sistema é absolutamente necessária; não num sentido puritano, mas com o auxílio de uma abordagem científica. Tudo isso tem de ser descoberto pela própria pessoa; não é possível padronizar regras e regulamentos para todos os seres humanos,

Tomando-se por assente que já se tenha conseguido isto, o segundo passo consiste em familiarizar-se com o movimento da mente. O movimento físico, ou a capacidade para o movimento físico, não constitui uma barreira no caminho da meditação, mas o movimento cerebral pode ser um obstáculo; assim, é preciso que se entenda o que é a mente. É preciso familiarizar-se com a anatomia da mente, com a química dos pensamentos e das emoções; como um pensamento se move; como os reflexos se movem, como eles controlam a nossa percepção, as nossas reações às situações, como eles governam as nossas relações com as outras pessoas. E para isso é preciso aprender o que é observação. Se eu sou um experimentador, então estarei envolvido no processo de experimentar e não serei capaz de vigiar o movimento da mente. Portanto e preciso aprender a ciência e a arte da observação: não interpretar, não analisar, não comparar, não julgar, mas ter a percepção do movimento da mente, da mesma maneira que temos a percepção do pôr-do-sol. Enquanto estivemos sentados por poucos minutos em silêncio, vocês devem ter notado o choro da criança. A mente resistiu a ele? Se a mente resiste, então há um atrito, e o atrito resulta numa reação.

Assim, a resistência leva ao atrito e o atrito resulta em contrariedade, irritação, e então perde-se o estado de observação. Toda reação nasce de uma resistência. Não existe reação se não há resistência à vida; assim, não cabe resistir, nem experimentar, sendo a experimentação uma forma muito sutil de resistência. Notaram vocês, alguma vez, as resistências aos acontecimentos da vida? Eles são convertidos em experiências porque a emoção cria uma resistência, uma divisão. Vocês querem interpretar o acontecimento, identificá-lo, reconhecê-lo, avaliá-lo, dar-lhe um rótulo e pô-lo na memória, debaixo de uma categoria, a fim de que a experiência lhes seja útil para posteriores interpretações dos acontecimentos. A pessoa quer ter defesa, e as experiências são uma parte do mecanismo de defesa, da mesma forma que o conhecimento. A pessoa tem medo de se expor à vida, de viver num estado de inocência, de absoluta e incondicional vulnerabilidade ao toque puro da vida como ela é, e deixar que as respostas venham. A pessoa quer cultivar resistências, adquirir respostas em forma de experiências, guardá-las na memória, a fim de que possa abrir a gaveta ou o arquivo da memória, reportar-se a ele, logo que surge um desafio, e buscar a resposta condicionada. A memória é uma espécie de saldo bancário. Assim como as pessoas querem um saldo bancário na forma de dinheiro, elas querem um saldo bancário na forma de experiências; não importa se compram, se pedem emprestadas ou se roubam experiências!

Vocês notaram o crescimento desequilibrado do homem? Ele sofisticou o cérebro e perdeu a elegância da simplicidade; perdeu a capacidade de olhar as coisas sem um motivo, inocentemente, sem converter o ato de observação e o objeto da observação em meio para algum fim. A elegância, a beleza da simplicidade e da inocência estão perdidas para o homem. A pessoa tem que florescer na vulnerabilidade, na ternura, na flexibilidade da meditação; então o homem será digno desse nome.

Hoje, todos nós nos tornamos desequilibrados. Eis por que existe tanta esquizofrenia. O homem vive mais ou menos num estado de neurose. Nossas respostas são inibidas, nossas percepções condicionadas. Não há espontaneidade na vida. Há apenas um processo mecânico de reação, de acordo com o condicionamento, a tradição, as ambições pessoais, os motivos, etc., etc. A beleza da ação está perdida. A espontaneidade também está perdida. Portanto hoje a meditação tornou-se relevante para a vida, para ajudar o homem a se descondicionar, para ajudá-lo a ver o quanto ele se tornou neurótico, para estimular nele o desejo de se desenvolver numa dimensão de consciência inteiramente nova.

Consequentemente, toda pessoa tem de aprender a observar os pensamentos conforme eles surgem, tem de devotar algum tempo a isso, sentando-se sossegadamente – se você se senta à maneira oriental ou ocidental, isso não vem ao caso. O único requisito é que a coluna e o pescoço estejam eretos, a fim de que o ritmo da respiração e a circulação do sangue não sejam perturbados. A pessoa tem de estar a sós, quieta, por algum tempo, para observar o movimento do pensamento, para entrar num estado de observação. Ela tem de aprender isso, porque, no momento em que se põe no estado de observação, o antigo hábito de introspecção, de avaliação, surge. Mesmo numa fração de segundo, o estado de observação pode ser dissipado; você se torna juiz, agente, experimentador. Dia a dia, a pessoa tem de se auto-educar. Chame você isso de disciplina, sadhana ou autocontrole, ou qualquer outro nome de que goste, o fato é que a pessoa tem de passar por essa educação de si mesma, aprendendo como observar. No começo, por uma fração de segundo, há o estado de observação e, então, o experimentador se intromete, e o estado de observação se dissipa. Isso acontece muitas vezes e pode continuar assim por algum tempo. Não é fácil esse estado de observação onde você não faz nada, onde você não está nem se abandonando, nem fazendo coisa alguma, nem ativo, nem inativo; onde a atividade mental dualista é mantida em suspenso e só a observação é ativa, não ocorrendo o mesmo nem com o agente nem com o experimentador. Então esse estado de observação começa a permear as horas de vigília. Se você está cozinhando, se vai ao escritório ou enquanto está conversando, o estado de observação permeia todas as atividades das horas de vigília.

Quando o estado de observação se mantém nas horas de vigília, a pessoa se torna constantemente cônscia, de manhã à noite, dos desafios objetivos – as árvores, os pássaros, os sons, os edifícios em volta e o tráfego que se move na rua. A pessoa se torna consciente da situação objetiva – intensamente consciente; atualmente, nós não estamos conscientes; não estamos atentos, mesmo quando tomamos as refeições, quando usamos as roupas; estamos simplesmente flutuando na espuma da desatenção, da distração, das perturbações; executamos apaticamente todas as atividades do dia, do sono, do despertar, e as coisas nos escapam. Estamos atentos somente para os nossos motivos, e, portanto, nossa percepção é desviada por esses motivos. Assim, a cada momento, é dada atenção apenas a uma parte da percepção; mas, quando o estado de observação se mantém, a sensibilidade aumenta e, de manhã à noite, você está muito mais atento do que antes.

Primeiro, não havia consciência do fato. A percepção e a atenção apareciam ocasionalmente a você. Agora você está constantemente consciente, constantemente atento, a atenção é intensificada, a sensibilidade é aguçada e se torna ágil. Você está a par do que está acontecendo exteriormente, bem como do que está acontecendo interiormente. Se o estado de observação não resultar nessa consciência ágil, na sensibilidade intensificada e na atenção acurada, então não estamos observando; estamos apenas passando para algum estado entorpecido de consciência. Isso não é observação, não é silêncio. A observação abre novas avenidas de energia, novas avenidas de atenção e percepção, de modo que o estado de observação, permeando as horas de vigília, resulta numa decolagem da consciência. Antes, tínhamos a percepção apenas de um fragmento do objeto, qualificado e modificado pelos nossos motivos, e as reações também eram condicionadas pelos motivos.
Agora, vejam o que acontece: a pessoa está a par da total unidade da percepção, sem motivo, sem inibição alguma. Você tem a percepção simultânea dos dois: para isso, tem de haver uma decolagem da consciência do estado anterior de desafio e reação. O impulso da mente subconsciente – de raiva, de ciúme, de repressões do pensamento, surgindo em forma de reações – está lá, mas ele perde o seu aguilhão, perde o poder sobre você de deformar e torcer as suas reações.

Se e quando o estado de observação permeia as horas de vigília, ele começa então a se infiltrar no que chamamos de sono. O estado de observação, que se infiltra até no sono profundo, que se infiltra através dos sonhos, é algo maravilhoso – estar consciente do sono, como você está das horas de vigília – e isso não é poesia, é um fato. Acontece mesmo. A meditação éo repouso do sono profundo nas horas de vigília. É uma percepção sem esforço, tanto do sono como das horas de vigília. As horas de vigília e de sono causam um movimento porque deixam de ser duas dimensões diferentes.

Consequentemente, o estado de observação é então mantido dia e noite, e somente quando ele se mantém assim é que o conteúdo do subconsciente começa a surgir e a dar sugestões, na forma de visões e de experiências diferentes. Contemos em nós o conhecimento e a experiência de toda a humanidade. Os psicólogos ocidentais, a começar por William James, Freud, Jung, Adler e James Martin, descobriram o que acontece nas camadas mais profundas da consciência. Toda a experiência e o conhecimento da humanidade, a despeito das raças, estão contidos na consciência individual. Quando o estado de observação se mantém, essas experiências brotam, manifestando-se, para serem expostas àsua atenção, à sua observação, enquanto os poderes ocultos da psique – tais como a clarividência, a visão de acontecimentos passados ou a de acontecimentos futuros, a telepatia, a leitura de pensamentos, etc. – começam a se manifestar. Todos esses poderes tornam-se possíveis. Essas exigências internas, não-sensuais, têm um tremendo efeito embriagador, muito mais do que quaisquer experiências sensuais. Trata-se de uma experiência sem a dualidade da relação sujeito/objeto. isso cria a ilusão de liberdade, você não tem de estar relacionado com qualquer coisa fora de você mesmo. O estimulo é interno, a experiência também é interna. Eis por que é tão embriagadora.

A descoberta das experiências ocultas e transcendentais resulta na libertação de novas capacidades, de novos poderes. A pessoa se torna poderosa. Seus olhos se tornam diferentes; o modo de ela andar é diferente. Existe nela uma nova força, um novo senso de libertação, embora não seja ainda a libertação – pois ainda está no âmbito da psique. E ia se torna qualitativamente diferente das outras pessoas e, na maioria das vezes, o estado de observação é perdido logo que ocorre o estimulo de novos poderes e experiências. O homem perde o sono. As conseqüências são demasiadas para ele, o sistema nervoso enfraquece e ele se curva novamente aos ditames da consciência do eu, da consciência do ego. A ambição volta. A lascívia passa a imiscuir-se nas experiências ocultas. Tal pessoa pode sacrificar qualquer coisa para satisfazer esse apetite. E perde o equilíbrio.

Manter o estado de observação enquanto se passa através das experiências não-sensuais é extremamente difícil. Para não sermos tirados do equilíbrio, precisamos da flexibilidade e da humildade de um pesquisador. Estou falando isso com grande agonia. Tenho observado, nos últimos seis anos, como as pessoas se entusiasmam facilmente, como se tornam prisioneiras das experiências psíquicas – jovens dos Países Baixos, da Califórnia, da Irlanda, da Noruega, do Nepal, do Japão, do Havaí -; quanto mal esse apego aos prazeres não-sensuais faz a elas! É a angústia de uma amiga sensível que está falando, não como uma critica. Também neste pais, com todas as suas associações espirituais, é o chamariz das experiências não-sensuais que tem atraído muitas pessoas para o oculto; assim, a pessoa tem de ser extremamente sensível, humilde e flexível para manter o estado de observação. Há que se passar através desse túnel; o encontro entre o subconsciente e o inconsciente é o túnel através do qual cada pesquisador tem de passar. Não há que suprimir essas experiências, mas deixá-las acontecer.

Quando a ternura do coração começa a fluir através dos olhos, chegou a estação chuvosa da pesquisa. Quando tudo começa a acalmar-se e a pessoa se sente desapegada internamente, é o outono e, assim, emocionalmente, há que se atravessar o ciclo completo das estações dentro de si mesma. Se a pessoa se fixa nas expressões do processo que ocorre ao passar através desse túnel, ou se se apega aos poderes da mente, então a indagação é sustada. Você não estará em condições de levar a indagação mais além. Portanto a pessoa precisa de toda humildade e toda delicadeza e, se a pessoa preserva e mantém assim o estado de observação, então não há mais nada a ser observado. Todas as experiências captam o impulso do subconsciente e o inconsciente se exaure. Ele aflora, manifesta-se e se exaure por si mesmo. As experiências de Jesus de Nazaré, de Gautama, o Buda, na índia, de Lao-tsé, na China, e de outros, sustentam esta verdade.

Essas experiências podem subir à camada superior da consciência. Há tão-somente que se observar, que olhar; olhar como se olham as nuvens do céu ao entardecer. Então, quando elas se exaurem através desse movimento, nada mais há para ser visto, nada mais para ser observado. O observador não tem mais nenhum papel a desempenhar, e fica inativo. Você não tem de fazer nada contra o observador. Quando o impulso das associações é exaurido, não resta nenhum papel para o observador desempenhar. A expressão final da consciência do eu entrou em inatividade e a pessoa se encontra no reino do silêncio. Até então, não há silêncio. No estado de observação, não há atividade e, no entanto, não há o silêncio como dimensão da consciência, porque a pessoa está observando, está no processo de observar; mas agora há uma dimensão de sHêncio no pensamento, na experiência, nas visões. O transcendental foi ultrapassado; a pessoa foi além do oculto. Isto é mais fácil de se dizer do que fazer, mas estou desenhando um mapa da coisa toda para vocês. Em palavras, isso é tudo o que se pode fazer. As palavras nada mais são que um meio de arrebatamento; se a pessoa apreende o seu significado, ela é arrebatada. Se é seduzida pelas palavras, não é arrebatada.

Portanto a pessoa está agora no reino do silêncio; não há consciência do eu no centro. Trata-se de uma consciência sem fronteiras, de uma consciência sem centro. O homem não pode fazer qualquer coisa agora. Existe apenas silêncio. Portanto a energia nas raízes de nosso ser – as raízes do ser estão no ponto central; a energia que estava dividida, espalhada e fragmentada em pensamentos e emoções em conflito, na dualidade de sujeito e objeto, de observador e observado, de experimentador e de experimentado – está agora no reino da não-dualidade; não mais fragmentada; ela está lá, no ponto fundamental, em sua inteireza, em sua totalidade, voltando a unir-se a si mesma em sua fonte. A energia não é estática. É um movimento infinito. Assim, pela primeira vez na vida do homem, é dada à totalidade da energia uma oportunidade para mover-se. Ela não tem de acompanhar o “momentum” dos impulsos, dos pensamentos, das emoções etc. de vocês. Agora ela está livre para expressar-se em sua totalidade.

Então, o silêncio começa a se mover, o silêncio começa a operar, a funcionar. Como não há movimento de dualidade do cérebro, do pensamento, da emoção, não há perturbação química no corpo, não há divisão nos nervos. O sistema nervoso entra em completo repouso e, quimicamente, há um equilíbrio. Isso é absolutamente necessário. Se o silêncio não resulta nisso, não é silêncio. É um pensamento desejoso de silêncio, e o ego está por trás, escondido em alguma parte; ainda está operando. Portanto a pessoa está quimicamente equilibrada e com os nervos repousados, e a totalidade da energia se move. Você verá como é essa totalidade. Somente a totalidade de nosso ser é que cura todas as feridas. Assim como a totalidade da energia se move em sono profundo, não perturbada por sonhos, da mesma maneira a totalidade da energia se move agora no estado de meditação. Energia é sensibilidade, é inteligência. Portanto a sensibilidade do ser total, não a sensibilidade do cérebro, do órgão físico, mas de todo o ser, a inteligência, como uma força, se torna operante. Hoje nós não sabemos o que é a sensibilidade, não sabemos o que é a inteligência. Conhecemos o intelecto, as funções cerebrais. A inteligência é um caminho de natureza diferente, um elemento diferente de vida. O movimento da energia total não pode ser descrito. Trata-se de um movimento na não-dualidade, de um movimento do ser inteiro.

Assim, a totalidade responde, percebe e elimina a divisão entre o indivíduo e o universo. A divisão ilusória, a divisão enganosa, criada pela consciência do eu, entre o individual e o universal, desaparece nessa dimensão do silêncio. Você não é nem o individual nem o universal: você é apenas vida. A totalidade da vida olha então através da totalidade dessa pessoa. O silêncio dos olhos responde através da totalidade dessa pessoa. A moldura de carne e ossos estará lá enquanto durar o impulso herdado, mas os movimentos dessa pessoa não são individuais, pois não são motivados. Chame-se a isso a imersão do indivíduo no universal. Não se pode descrevê-lo. O fato é que desaparece a divisão entre o um e os muitos, entre o interior e o exterior, entre o individual e o universal. A pessoa é, então, consciência sem esforço, sem escolha, do infinito movimento da vida. Vida é viver constantemente através do nascimento e da morte, através da dor e do prazer; a vida opera através do dia e da noite, a vida respira o tempo todo – o nascimento é a vida inspirando, enquanto a morte é a vida expirando.

A vida se move, então, além da dualidade. Este é o estado de meditação. Chame-o samadhi, se quiser, ou nirvana, se preferir. Tal pessoa torna-se então uma manifestação, em carne e osso, da unidade, da totalidade da vida, e para mim isso é a consumação do crescimento humano, O homem ainda não está maduro para ela. Ele aprimorou o corpo, o cérebro, mas tem que atingir ainda a maturidade da consciência que a meditação abre para ele. Atualmente, somos seres humanos apenas na forma, e não no conteúdo. A divindade para mim é a humanidade aprimorada e purificada. O homem tem que atingir a condição na qual venha a existir uma sociedade baseada no amor, na amizade e na cooperação, na ordem social, econômica e política, livre da exploração, da corrupção e da violência.

Eis por que a meditação é uma forma de revolução psíquica. A crise está na psique e, portanto, tem de ser resolvida na psique.


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