O Primeiro Patriarca

MAHAKASHYAPA – O Primeiro Sucessor de Shakyamuni Buddha

Durante uma conferência, diante de uma assembléia de oito mil pessoas na Montanha Espiritual (Ghridakuta, o Pico dos Abutres), o Buddha Shakyamuni tomou de uma flor e fê-la girar delicadamente entre os dedos. Os discípulos presentes não conseguiram compreender aquele gesto. Apenas Mahakashyapa sorriu… Disse-lhe, então, o Buddha: Apenas tu compreendeste o segredo da Mente do Nirvana, o ensinamento que é transmitido de coração para coração e de mente para mente, o meu maravilhoso espírito; ei-lo, é teu. É o Samadhi do Espírito de Buddha. O verdadeiro Olho do Dharma.

Mahakashyapa nasceu em uma rica família brâmane da tribo Kashyapa na vila de Mahatita no antigo reino Hindu de Magadha (moderna Bihar do sul) Ele originalmente chamava-se Pipala, porque era dito que havia nascido quando sua mãe descansava sob uma árvore Pipal (Bodhi Fichus Religiosus – árvore Bodhi, espécie de árvore onde Buddha atingiu a iluminação). Em sânscrito, Kashyapa significa “Bebedor de Luz”, dizem que quando nasceu, uma luz dourada preencheu a sala e então foi para a sua boca. Por isso ele foi chamado Kashyapa, Bebedor de Luz. Seu semblante era dourado e ele possuía trinta das trinta e duas marcas dos Bodhisatvas.

Inteligente por natureza, com oito anos já havia aprendido os preceitos brâmanes e demonstrado talento em todas as áreas do aprendizado e da arte. Ao crescer, no entanto, começou a desgostar do redemoinho de desejos que invariavelmente acompanham todos os prazeres e vicissitudes da vida, então, sentiu vontade de ir contra o modo de vida atual e seguir vida religiosa.

Oposto a essa idéia, seus pais ansiavam vê-lo casado para prosseguir a linhagem familiar.

Para deixa-los tranqüilos, ainda que contra a sua vontade, casou-se. Aconteceu, no entanto, que sua esposa também mantinha os mesmos anseios de dedicar-se à vida religiosa e manter-se pura fisicamente, deste modo, mesmo casados, fizeram votos de viver uma vida sem contato físico.

Um certo dia quando contava com 12 anos, depois da morte de seus pais. Pipala observou um grande número de vermes entre os feijões que se encontravam espalhados para secagem e ficou bastante deprimido em saber das pequenas vidas que ele tinha ignorado durante tanto tempo. Naquele momento decidiu procurar um Mestre religioso e, entrar de vez na vida religiosa. Conversou longamente com sua esposa que o incentivou a seguir em frente, contanto que quando ele conseguisse encontrar um Mestre a informasse. Dizem que no mesmo momento em que Pipala tomou essa decisão Shakyamuni alcançava a iluminação sentado sob a árvore Bodhi.

Como era membro da tribo Kashyapa. Pipala ficou conhecido como o Grande Kashyapa ou Mahakashyapa. Mahakashyapa encontrou o Buddha em um santuário conhecido como o “Santuário das Muitas Crianças”. Deslumbrado pela visível nobreza de Shakyamuni, Mahakashyapa prostou-se e, anunciando que se encontrava procurando um mestre para lhe ensinar os caminhos da verdade, pediu para ser aceito como discípulo.

Percebendo a total honestidade de Mahakashyapa, bem como a sua firmeza de propósitos, Shakyamuni Buddha disse: “Seja bem-vindo, Mahakashyapa”. Buddha transmitiu a ele o verdadeiro tesouro do olho do Dharma. E em oito dias de treinamentos intensivos, Mahakasyapa atingiu a iluminação. Sua esposa também tornou-se, posteriormente, uma monja e depois de passar algum tempo treinando com a comunidade de discípulos de Buddha, atingiu a iluminação.

A partir do momento da sua decisão de seguir vida religiosa, Mahakashyapa praticou incessante e rigidamente. Durante toda sua vida, o ancestral Mahakashyapa, herdeiro do Dharma de Shakyamuni, realizou dez tipos de prática incessante. Foram elas as seguintes:

1- Jamais aceitava qualquer convite que lhe fizessem para comer, mendigava sua comida todo dia e jamais em qualquer hipótese aceitava dinheiro.

2- Sempre morava nas florestas ou em cemitérios, jamais nos templos, cidades, povoados ou casas particulares.
3- Nunca procurou ter mais de uma roupa para vestir e não aceitava, quando tentavam lhe oferecer roupas limpas e novas de presente.
4- Dormia sempre nos campos debaixo de uma árvore qualquer.
5- Comia sempre o que conseguia através da mendicância e, somente uma vez ao dia.
6- Jamais se deitava para descansar. Dormia fazendo zazen ou andava para ficar desperto.
7- Nunca sentava para o zazen em uma almofada.
8- Vivia sempre só. Jamais queria estar perto de quem quer que fosse ou dormir junto a alguém.
9- Comia sempre em primeiro lugar frutas e legumes silvestres, e somente depois disto se permitia comer a comida conseguida.
10- Nunca comeu carne, manteiga nem usou óleo ou tempero de qualquer espécie.

Estas foram as dez ações que este ancestral realizou por sua vida afora. Mesmo depois de ter ganho o Verdadeiro Tesouro do Olho do Dharma, continuou a viver deste modo até sua morte.

Até mesmo Shakyamuni, preocupado com sua maneira rígida de viver lhe fez a seguinte observação: “Eis que estás envelhecendo. Come a comida costumeira dos monges da sangha!” O venerável Mahakashyapa retrucou, com seu costumeiro destemor: “Se eu não tivesse me encontrado contigo, o Tathagata, teria sido para sempre apenas mais um asceta auto-centrado, e eu teria gasto inutilmente toda minha vida perambulando por vários caminhos. Felizmente eu me encontrei contigo, e com isto ganhei o Dharma. Não estou à altura de receber a comida comum dos monges.” Shakyamuni elogiou altamente esta sua resposta e sua determinada resolução.

Já que Mahakashyapa insistia em manter tais práticas de vida duríssimas, acabou ficando muito magro e esquelético. Com isto os demais monges começaram a despreza-lo. Observando isto o Tathagata chamou Mahakashyapa e o fez sentar-se ao seu lado na plataforma de palestras. Mahakashyapa foi um autêntico praticante dentro da sangha de Shakyamuni. As palavras nos faltam se tentarmos sequer começar a descrever o que era a prática incessante de toda sua vida.

Ele foi o mais sério nas práticas budistas dentre os discípulos. Abandonou todo o interesse pela comida, roupa, habitação e viveu até sua morte uma vida simples, apenas com o mínimo para o seu sustento.

Na comunidade, os outros monges vendo apenas a feia magreza de seu corpo e a pobreza de sua roupa, tinham dúvidas sobre a sabedoria de Kashyapa. Por causa disso, toda vez que o Buddha ia dar um ensinamento em algum lugar, ele compartilhava seu assento com Kashyapa, que a partir de então passou a ser o líder da comunidade.

Conta-se um história sobre Mahakashyapa:

“Entrando em uma vila para esmolar, eu me aproximei de um homem muito doente que estendeu uma mão leprosa e apodrecida contendo uma pequena quantidade de arroz podre. Quando o homem jogou o arroz na minha tigela, um de seus dedos apodrecidos caiu junto. Sentei-me ao lado de uma cerca e comi tudo o que estava na tigela. Estava pleno de felicidade e sentimento de gratidão”

Mahakashyapa, sempre ignorava a s doações dos ricos, preferia sempre esmolar com os pobres. As poucas ofertas dos carentes o alegravam, pois, recebendo-as ele dava oportunidade para que eles melhorassem seus Karmas futuros.

Quando Mahakashyapa envelheceu. Buddha começou a se preocupar com a sua condição física. Roupas feitas de trapos costurados eram pesadas e incômodas. O Buddha lhe disse, “Você já esta muito idoso. Porque não veste roupas mais leves e limpas? E, ao invés de sair todos os dias para esmolar, não aceita o convite dos crentes para as refeições. É muito frio na floresta. Porque não vem e vive comigo no Templo?”

Ainda que grato por essas bondosas palavras de preocupação Kahakashyapa replicou, ” O modo de vida ascético me faz feliz mais do que qualquer outra coisa. Ao continuar praticando assim, deixo um bom exemplo e encorajo as novas gerações para que não esmoreçam”

O Budha apreciou grandemente essa atitude e, zelando por ele, permitiu que continuasse vivendo do jeito que queria e gostava.

Sua profunda sinceridade foi reconhecida de tal modo, que nos seus últimos anos, ele foi o principal ajudante de Budha na conversão de novos discípulos. Quando Mahakashyapa soube da morte do Budha, ficou tão entristecido que desmaiou.

Ainda se recuperando de sua tristeza, tomou a importante decisão de compilar e arrumar os ensinamentos de Budha para que pudessem ser corretamente transmitidos a posteridade. Em pouco tempo reuniu toda a comunidade de monges no que veio a ser chamado de “O Primeiro Concílio”. Entre os monges presentes estava Ananda que estando constantemente ao lado de Budha e, sendo possuidor de uma prodigiosa memória, havia ouvido o maior número de ensinamentos, sendo um dos maiores responsáveis pela clareza da compilação.

Mahakashyapa permaneceu como líder da comunidade durante 20 anos. Após todos esses anos, percebendo que o tempo de sua morte estava próximo, passou o seu legado para o monge Ananda, subiu ao monte Kukkutapada-giri. Forrou o chão com algumas folhas, sentou-se em zazen, com o Manto (Okesa) e a Tigela (Oryoki) de Shakyamuni ao seu lado. Juntou suas palmas em atitude reverente e rezando pela paz de todos os seres, entrou em um estado de profunda absorção meditativa e, calma e serenamente deu seu último suspiro.

É dito que no momento de sua morte na natureza ouviu-se um grande estrondo. Mahakasyapa agora era um com o “Todo”.

Mahakashyapa é reverenciado como a força motriz que possibilitou a tarefa de compilação de todos os ensinamentos de Shakyamuni Buddha. O Dharma de Buddha certamente não teria sobrevivido sem ele.

Getulio Taigen
Instrutor do Rio Zen Center – San Zen Dojo
Comunidade Zen Busdista – ZendoBrasil