Você é pai, mas ao mesmo tempo é filho

Texto de Shundo Aoyama,
extraído do livro
Para uma pessoa bonita

Há uma história sobre o Mestre Zen Bankei1, que fundou uma escola muito particular no período Edo 1603-1867).

Um dia, uma velha senhora visitou o Mestre Bankei para se lamentar de sua nora. O mestre ouviu suas lamúrias com toda atenção, como um mata-borrão branco suga a tinta fresca – parecia concordar com tudo o que a velha senhora dizia. No entanto, depois acrescentou: “A sogra também foi nora um dia”.

A velha mulher, que já havia expressado plenamente suas mágoas e reclamações, aceitou as palavras do Mestre com muita docilidade. Ele havia lhe mostrado que também ela tinha um dia sido uma nora.

“Não pense que sua nora é uma pessoa totalmente diferente de você. O caminho que ela percorre atualmente é o mesmo que um dia você percorreu. A vida dela hoje é o que a sua própria já foi no passado.”
Depois de alguns dias, foi a vez de a nora vir reclamar da sogra.

O Mestre Bankei, após escutá-la com toda a atenção, lhe disse:

“À nora um dia será a sogra. Não pense que sua sogra é uma pessoa totalmente diferente de você. Ela percorre o mesmo caminho que um dia você percorrerá. Ela é você mesma, sua vida futura. Se você perceber que ela é sua própria vida, não haverá por que se lamentar tanto, não é?”

Essas palavras acalmaram o coração da nora.

Quando percebemos que todos compartilhamos a mesma vida – irmãos, irmãs, pais e filhos – podemos trocar de posição uns com os outros, de sogra para nora e de nora para sogra.

O Mestre Dôgen2 tinha uma visão bastante ampla sobre esse assunto, que abrangia até mesmo os objetos inanimados. Em sua obra Tenzô Kyôkun23, afirma: “Pense que as panelas são você mesmo”, ou “Veja que a água é sua própria vida”, ou ainda “Trate todos os seus utensílios cuidadosamente, como se fossem seus próprios olhos”. Tudo está vivo no vasto oceano do mundo do Darma3.

No entanto, ainda que eu procure viver minha vida de acordo com esses ensinamentos, quando me pergunto se realmente estou praticando os preceitos de Buda, percebo que estou muito longe desses nobres exemplos. Tudo o que descubro é meu desagradável egocentrismo. Entretanto, se não tivesse estudado o Budismo, não teria nem mesmo me dado conta disso.


1Bankei Yotaku (1622-1693) – também conhecido como Bankei Eitaku, monge budista da Escola Rinzai, que teve cerca de 50 mil discípulos.
2Eihei Dôgen (lê-se Doguen) (1200-1253) – fundador da Escola Soto Zen no Japão. Sua obra mais famonosa é o Shôbôgenzô.
3Tenzô Kyôhun – literalmente: Instruções para o Tenzô (chefe de cozinha de um Mosteiro Zen). Texto do Mestre Dogen orientando a importância da prática de preparação das refeições para os monges, que é a mesma prática do Caminbo iluminado na vida diária de cada um.