Sobre o zazen

de Uchiyama Kosho Roshi
Texto extraído do livro
Shikantaza – Uma introdução ao zazen,
publicado pelo Kyoto Soto-Zen Center.
Tradução para o inglês:
Shohaku Okumura
Tradução para o português:
Centro Zen do Rio de Janeiro

Uchiyama Kosho Roshi (1912-  ) estudou filosofia ocidental na Universidade Waseda, em Tóquio. Ensinou na Escola Teológica Miyazaki durante algum tempo antes de se tornar monge zen sob a orientação de Kodo Sawaki Roshi em 1941. Uchiyama Roshi publicou muitos livros em japonês sobre o zen. Dois deles foram traduzidos para o inglês: Approach to zen (Japan Publications, Inc.) e Refining your life (Weatherhill).


Em resumo, fazer zazen é parar de fazer tudo, ficar de
frente para a parede e sentar, sendo apenas você mesmo que é somente
o Eu (Self). Ao fazermos zazen, deveríamos nos abster de fazer tudo,
no entanto, como somos humanos, começamos a pensar; envolvemo-nos em
um diálogo com os pensamentos em nossa mente. “Eu deveria ter
vendido naquela hora; não, eu deveria ter comprado” ou “deveria ter
esperado um pouco”. Se você é um corretor da bolsa pensará assim. Se
você é um jovem amante, pode achar que sua namorada aparece
inevitavelmente todo o tempo. Se você é uma sogra que não se dá bem
com sua nora, pensará somente na mulher do seu filho. Qualquer que
seja a situação em que esteja envolvido, os pensamentos surgirão por
conta própria enquanto você está fazendo zazen. Uma vez que você
percebe que está pensando, quando não deveria estar fazendo nada, e
retorna ao zazen, os pensamentos que apareciam de forma tão clara
diante de você como se fossem imagens numa tela de TV, desaparecem
de repente, como se você tivesse desligado a TV. Resta apenas a
parede à sua frente. Por um instante… é isto. Isto é o zazen. No
entanto, os pensamentos novamente aparecem por si próprios.
Novamente você retorna ao zazen e eles desaparecem. Nós simplesmente
repetimos isto; isto é chamado de kakusoku (consciência da
Realidade). O ponto mais importante é repetir esse kakusoku bilhões
de vezes. É desta forma que deveríamos praticar o
zazen.

Se
praticarmos dessa forma, não poderemos deixar de perceber que nossos
pensamentos são, realmente, nada mais que secreções do cérebro.
Assim como nossas glândulas salivares produzem saliva ou nossos
estômagos produzem suco gástrico, da mesma forma nossos pensamentos
nada mais são que secreções cerebrais.

Geralmente, no entanto, as pessoas não entendem isto. Quando
pensamos: “Eu o odeio”, odiamos a pessoa, esquecendo que o
pensamento é simplesmente uma secreção. O ódio ocupa nossa mente
tiranizando-a. Ao odiar uma pessoa, ficamos subordinados a esse
tirano. Quando amamos alguém somos arrastados para longe por nosso
apego à esta pessoa; tornamo-nos escravizados a esse amor. Esta é a
fonte de todos os nossos problemas.

Por
exemplo, nossos estômagos liberam suco gástrico para a digestão da
comida. Se eles liberam demais, isso não é bom, podemos desenvolver
uma úlcera ou até mesmo um câncer de estômago. Nossos estômagos
liberam suco gástrico para nos manter vivos, mas em excesso é
perigoso. Hoje em dia as pessoas sofrem de um excesso de
secreções-cerebrais e, além disso, elas se permitem ser tiranizadas
por estas secreções. Esta é a causa de todos os nossos
erros.

Na
Realidade, os vários pensamentos que surgem em nossas mentes são
apenas o cenário da Vida do Eu. Este cenário existe sobre o terreno
da nossa Vida. Como disse anteriormente, não deveríamos ficar cegos,
ou inconscientes deste cenário. O zazen tem uma visão de todas as
coisas como o cenário da Vida do Eu. Em antigos textos zen refere-se
a isso como “hochino fuko” (o cenário do terreno
original).

Não
é que nos tornemos a Vida-universal como resultado da nossa prática.
Todos e cada um de nós recebe e vive esta Vida-universal. Somos um
com o universo inteiro, porém não o manifestamos como sendo o
universo no verdadeiro sentido.


que nossas mentes estão discriminando, percebemos apenas a
extremidade das secreções. Quando fazemos zazen, nós largamos os
pensamentos e então os pensamentos caem. Aquilo que surge em nossas
mentes, desaparece. Aí, a Vida-universal se manifesta.

Dogen Zenji chamava isto de shojo-no-shu (prática baseada na
iluminação). A Vida-universal é a iluminação. Baseados nisto, nós
praticamos sendo o universo inteiro. Isto também é chamado
shusho-ichinyo (prática e iluminação são uma coisa só).

Todos nós preferimos a felicidade ao infortúnio, o paraíso ao
inferno, a sobrevivência à morte imediata. Estamos assim, sempre
bifurcando a Realidade, dividindo-a em algo bom e algo mal, algo do
qual gostamos e algo do qual não gostamos. Da mesma forma
discriminamos entre satori e ilusão, e lutamos para alcançar o
satori.

Porém, a realidade do universo está muito além da tal atitude
de aversão e apego. Quando nossa atitude é “qualquer que seja”, “o
que quer que seja”, “onde quer que seja”, então manifestamos o
universo inteiro.

Em
primeiro lugar, a atitude de tentar ganhar alguma coisa é, por si
mesma, instável. Quando você luta para ganhar o satori, você está,
indiscutivelmente, iludido, porque você deseja escapar de um estado
de ilusão.

Dogen Zenji ensinou que nossa atitude deve ser de prática e
trabalho diligente em qualquer situação, seja ela qual for. Se
caímos no inferno, atravessamos o inferno; essa é a atitude mais
importante para se tomar. Se encontramos a infelicidade, devemos
trabalhá-la com sinceridade. Apenas sente-se na Realidade da Vida,
vendo inferno e paraíso, aflição e alegria, vida e morte, todos com
os mesmos olhos. Não importa a situação, nós vivemos a vida do Eu.
Devemos nos sentar imóveis sobre este princípio. Isso é essencial; é
isto o que significa “tornar-se um com o universo”.

Se
dividimos o universo em dois, lutando para alcançar o satori e
escapar da ilusão, não somos o universo inteiro. Felicidade e
infelicidade, satori e ilusão, vida e morte; veja-os todos com os
mesmos olhos. Em cada situação o Eu vive a vida do Eu – tal eu deve
fazer-se por si próprio. Esta Vida-universal é o lugar para onde
retornamos.