A primeira nobre verdade: a dor é inevitável, o sofrimento é opcional

Texto de Sylvia Boorstein,
extraído do livro
É mais fácil do que você pensa

A principal lição que Buda usava para transmitir seus ensinanentos a respeito da jornada para a felicidade é chamada de As Quatro Nobres Verdades.

Na primeira Nobre Verdade, o Buda explica que na vida "a dor e inevitável mas o sofrimento é opcional". O Buda não pronunciou exatamente essas palavras ele expressou-se no seu vernáculo. Minha versão em idiomas mais atuais contém o sentido que o Buda preendia transmitir, e espero não ter sido irreverente.

A vida é difícil. Scott Peck disse isso na primeira linha do livro The Road Less Traveled e vendeu centenas de milhares de cópias. As vezes, penso que as pessoas liam a primeira frase e ficavam tão entusiasmadas por alguém estar dizendo aquilo que a experiência lhes mostrava ser verdade que acabavam comprando o livro. A vida é tão misteriosa! Não importa quais sejam os nossos planos, ela é sempre imprevisível. Durante anos, deixei um aviso no espelho de meu banheiro para lembrar-me, diariamente, de que "A vida é aquilo que nos acontece enquanto estamos fazendo outros planos". Mesmo assim, continuo passando boa parte do tempo tentando conseguir algo agora para poder ser feliz num futuro mítico.

Eu tinha trinta e poucos anos de idade quando percebi, com certa apreensão, que estava totalmente despreparada para lidar com os aspectos mais assustadores da vida. De alguma maneira, eu havia conseguido esconder de mim mesma o tênue equilíbrio de que depende a nossa felicidade a cada momento. Eu tinha crescido e feito todas as coisas que supostamente poderiam garantir a minha felicidade. Havia aprendido uma profissão que estava exercendo e com a qual sentia-me gratificada; havia-me casado e tivera quatro filhos adoráveis, os quais eu amava profundamente. De algum modo, nunca pensei em quanto tudo isso era frágil e, assim, nunca pensara em nenhuma questão de cunho existencial.

Certo dia, descendo a rua onde eu morava, duas garotinhas que iam para a escola foram atropeladas e mortas por um cano desgovernado. Elas tinham seis e sete anos de idade e eram irmãs. Eu não as conhecia, mas já ouvira falar delas por serem colegas de classe de Elizabeth, minha filha. De repente, despertei para o fato de que estar vivo é muito perigoso, e que cada momento da vida é muito precioso. Se eu talvez tivesse atentado para esse fato de uma maneira equilibrada ou, pelo menos, de uma forma mais madura, eu teria passado por um daqueles momentos de transformação, sobre os quais lemos, após o que eu haveria de me modificar totalmente e de viver o resto da vida em constante estado de iluminação. Isso não aconteceu comigo. Ao contrário, mergulhei na tristeza e no desespero. Não conseguia entender por que as pessoas continuavam vivendo se a vida era finita, na melhor das hipóteses, e, do começo ao fim, imprevisível. Percebi que todos os relacionamentos terminam em perda e que a perda era muito dolorosa. Eu não conseguia imaginar uma razão para agirmos assim.

O fato de eu agora poder escrever sobre esse período de minha vida com alguma leveza não significa que essa não tenha sido uma época terrível para mim. Pois foi! Eu lia filósofos existencialistas, Camus e Sartre, e me perguntava como havia conseguido esconder de mim essa terrível verdade ao longo de todos aqueles anos. Eu me perguntava por que todas as outras pessoas não enxergavam isso. Como as pessoas podiam viver a vida como se tudo estivesse bem enquanto eu tinha certeza de que as coisas não eram assim? Lembro-me de falar para os meus alunos de psicologia a respeito da "angústia existencial" e de lhes contar a piada de Kierkegaard. Alguém disse a Kierkegaard: "Vejo-o na próxima terça" e, ao que se supõe, ele teria respondido: "Vejo você na próxima terça se, ao sair da minha casa, uma telha não se soltar do telhado e acertar a minha caheça e se, ao atravessar a rua, você não for atropelado por uma carruagem desgovernada." Essa não é uma piada engraçada. Eu não Conseguia dizer "Vejo vocês depois" aos meus filhos quando eles saiam para a escola ou, mesmo, "Espero que se divirtam", sem que receios sinistros passassem pela minha cabeça.

Parte do meu desespero consistia em pensar que eu era a única pessoa que se sentia assim. Todas as pessoas à minha volta pareciam sentir que a vida era realmente bela e nem um pouco angustiante. Foi para mim um alívio ir ao meu primeiro retiro de meditação e ouvir as pessoas falarem a verdade de forma tão clara — a Primeira Nobre Verdade, de que a vida é difícil e dolorosa pela sua própria natureza e não porque estejamos agindo errado. Fiquei extremamente aliviada em conhecer pessoas que estavam dispostas a dizer que a vida é difícil, freqüentemente dolorosa, mas que, mesmo assim, aparentemente não tinham dificuldade em admitir isso. Mais importante, elas pareciam felizes. Para mim isso foi extraordinariamente tranqüilizados Pensei comigo mesma: "Aqui estão pessoas que são como eu, cuja vida é igual a minha, que conhecem a verdade, dispõem-se a admiti-la e se sentem à vontade com relação a isso.


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