Começando Novamente

Thich Nhat Hanh
Retiro em Upperr Hamlet
10 de maio de 1998
Transcrito e editado por Carol Fegan,
Chan An Cu. Revisado por Brendan Sillifant
Traduzido ao Português por Claudio Miklos


Queridos amigos, hoje é 10 de maio, 1998. Nós estamos no Upper Hamlet, e estamos no Retiro de Primavera. Hoje é o Vesak, o dia do nascimento do Buddha. A vida do Buddha foi fundamentada por uma espécie de aspiração, um tipo de desejo, um tipo de energia de ajuda, ajuda para reduzir a quantidade de sofrimento no mundo, para fazer surgir a transformação e cura, para trazer alegria. Esta energia é importante, esta aspiração é importante. A vitalidade da vida do Buddha é a energia de compaixão, a energia de compreensão que pode fazer o Buddha vivo, que pode lhe ajudar a continuar o ensinamento de forma que muitas pessoas possam libertar a si mesmas. Nascer significa começar novamente, e todos nós queremos começar novamente…

Quando sabemos começar novamente adquirimos muito mais energia, prazer e aspiração que podem nos ajudar transformar o que é negativo em nós, e nos ajudar a ter mais prazer, mais capacidade de transformar a situação ao nosso redor. Nascer é novamente uma forma de começo. É por isso que deveríamos saber nascer como um novo ser a cada momento de nossas vidas. Há pessoas que podem dizer, “eu sou muito velho para começar novamente”. Isso é porque elas não viram a verdadeira natureza da vida, da prática de Começar Novamente. Nós podemos praticar o Começar Novamente em qualquer momento de nossas vidas. Nascer é começar novamente. Quando temos três anos podemos começar novamente, quando temos sessenta anos ainda podemos começar novamente, e quando estamos a ponto de morrer, ainda é tempo de começar novamente. Nós precisamos praticar a observação um pouco mais profunda para que possamos ver que o Começar Novamente é possível a qualquer tempo de nossas vidas diárias, e em qualquer idade. Suponha que uma nuvem esteja flutuando no céu, e esteja a ponto de morrer, de se tornar chuva. A nuvem poderia ser presa de raiva, de medo: “Por que isto acontece comigo? Por que tenho de morrer? Por que eu não posso continuar uma nuvem flutuando no céu?” Assim a raiva e o medo podem surgir na nuvem e podem fazê-la muito infeliz; mas se a nuvem for bastante inteligente, se a nuvem sabe olhar profundamente para sua verdadeira natureza, então pode praticar o Começar Novamente. Esta noite também é uma oportunidade de renascer, e esta é uma preparação. Nós não deveríamos nos prender a qualquer forma, porque ser uma nuvem que flutua no céu é maravilhoso, mas ser a chuva que cai na montanha ou no rio, nas árvores e na grama é também uma coisa maravilhosa. Até mesmo sentir excitação é possível, sentir esperança é possível, sentir alegria é possível quando morremos. Sabemos que existem pessoas que são capazes de morrer de um modo muito calmo e feliz. Eu já vi pessoas morrendo com contentamento, com felicidade, com uma sensação de realização, e que não consideravam sua morte como o fim de algo, de sua vida. Elas foram capazes de olhar profundamente a natureza da vida, e se emanciparam das noções de ser e não-ser. Existem pessoas que se sentam na soleira de suas casas, olham as crianças brincando no jardim sob os raios de sol da manhã, assistem seus netos brincando felizes. E quando elas olham desta forma, repentinamente se tornam os seus netos. Elas se vêem brincando na grama sob os raios de sol da manhã. Elas vêem sua própria continuação em seus netos. Elas sabem que fizeram tudo o que podiam fazer para que estas crianças fossem felizes, fossem bem preparadas para entrar na vida. Elas estão prontas para começar novamente. Já começaram novamente, e podem se ver em novas formas de vida.

Claro que durante as suas vidas elas cometeram alguns enganos. Porque somos seres humanos, não podemos evitar cometer enganos. Nós poderemos ter feito outras pessoas sofrerem, poderemos ter magoado nossos entes queridos, e sentimos pesar. Mas é sempre possível a nós começarmos novamente, e transformarmos todos estes tipos de engano. Sem cometer enganos não há nenhum modo de aprendermos formas de ser uma pessoa melhor, aprendermos a ser tolerantes, ser compassivos, ser amorosos, ser tolerantes. Eis porque os erros têm um papel em nosso treinamento, em nossa aprendizagem, e nós não devemos ficar presos na prisão da culpabilidade apenas porque cometemos enganos em nossas vidas. Se você pode aprender com seus erros, então já transformou o lixo em uma flor, para sua própria alegria, para a alegria de seus antepassados, para a alegria das gerações futuras, e também para a alegria da pessoa que foi vítima de sua ignorância e sua falta de habilidade. Muito freqüentemente nós agimos com muita grosseria, não porque quisemos magoar aquela pessoa, ou destruí-la, ou porque queríamos que ele ou ela sofresse. Nós fomos grosseiros, eis tudo. Eu sempre gosto de pensar em nosso comportamento em termos dele ser mais ou menos hábil, em lugar de ser em termos de bom ou mau. Se você é hábil, pode evitar fazer sofrer a si mesmo, e fazer outra pessoa sofrer. Se há algo que vocês queiram falar para uma outra pessoa, então sim, vocês devem falar, mas existem modos de dizer isso que farão a outra pessoa sofrer, e farão vocês mesmos sofrerem. Mas há maneiras de dizer o que é preciso que não fariam a outra pessoa sofrer, e vocês também. Assim o problema não é falar ou não falar o que está em seu coração, o problema é como dizer isto de forma que o sofrer não estará lá. Eis por que esta é uma forma de arte, e de nossa prática também. Sua boa vontade não é suficiente para a prática — vocês tem que ser hábeis em sua prática. Caminhando, comendo, respirando, falando, trabalhando, vocês deveriam aprender a arte de viver atentos, porque se vocês forem bons artistas, poderão criar muita felicidade e alegria ao seu redor e dentro de si; mas se vocês possuem apenas sua boa vontade, se apenas contam com sua boa vontade, esta não será suficiente porque com boa vontade podemos causar muito sofrimento. Como um pai, como uma mãe, como uma filha, como um filho, podemos estar cheios de boa vontade, podemos estar motivados pelo desejo de fazer a outra pessoa feliz, mas em razão de nossa falta de jeito os fazemos infelizes. Por isso viver atentamente é uma arte, e cada um de nós precisamos treinar como ser um artista. Em vez de dizer a alguém, “você está certo ou errado” que é uma coisa muito dura de se ouvir, poderíamos dizer, “você é mais hábil ou menos hábil”. Em nossas Cinco Contemplações antes de comer dizemos que queremos estar conscientes de nossos estados de inabilidade mental, em vez de dizer que queremos estar atentos aos nossos estados mentais maus. Inabilidade – se você está com raiva ouu se tem ciúmes, isto é apenas inabilidade. Porque somos assim inábeis, raiva e ciúme se tornam formações mentais. Vocês sabem que aquela ação, aquela sentença, se pudermos fazê-la ou se pudermos pronunciá-la com arte, elas ajudarão a outras pessoas, e nos ajudarão também.

Todos nós temos que aprender a arte de viver. E se vocês tem a chance de possuírem pais, amigos e professores que sejam hábeis na arte de viver conscientes, então podem aprender [com eles], poderão fazer muitas pessoas ao seu redor felizes, e portanto vocês se farão felizes. Mas se vocês não tiverem esta sorte, não poderão aprender esta arte de seus pais ou de seus irmãos e irmãs, ou seus amigos, e continuarão sendo grosseiros, e farão as pessoas ao seu redor infelizes, e vocês mesmos infelizes. Se sabemos olhar as coisas deste ângulo, já estaremos sofrendo muito menos. Aquela pessoa que me causou muito sofrimento só porque foi inábil, ela não soube o que disse, ele não soube o que fez. E nós sabemos que nossos pais estão cheios de amor por nós, eles só querem nossa felicidade, mas devido a sua inabilidade eles nos fazem sofrer muito. E nós também temos nosso amor por nossos pais, não queremos que eles sofram, mas nosso modo de ação ou reação podem fazê-los sofrer terrivelmente. Assim a questão aqui não é de boa vontade, é uma questão de arte. Meditação andante é uma arte. Vocês podem dar passos que criam estabilidade e alegria, e isso irá nutri-los a cada momento, mas não se vocês apenas agirem com boa vontade. “Eu praticarei a meditação andante!” E então fica torna-se rígido e muito sério, não desfrutando cada passo que der. Vocês precisam se permitir ser natural, ser relaxado. Tem que aprender a se permitir respirar naturalmente, permita relaxar seu rosto, permita que seus pés caminhem naturalmente; vocês sabem como coordenar seus passos com sua respiração, e permitir que a natureza lhes dê boas-vindas. Apenas alguns passos já podem conduzi-los à Terra Pura do Buddha. Vocês caminham como artistas. Quando outras pessoas os vêem caminhar, elas ficarão inspiradas: “Que maravilha! Como aquela pessoa caminha belamente! Eu posso ver a estabilidade, a serenidade, a alegria”. E elas ficarão inspiradas, e aprenderão a prática. Não é por escrever cartas ou dar palestras que nós podemos ajudar outras pessoas a ter contato com o Dharma. Talvez por causa de nossa vontade [exagerada] de ensinar, de compartilhar com elas nossa prática, aquela pessoa irá querer ficar longe de nós. Assim deve haver uma arte para que possamos compartilhar o Dharma e a vida espiritual com as pessoas que nós amamos. Na Ásia, o Budismo é a prática de famílias inteiras. Supõe-se que todo o mundo na família seja um budista. Mas no Ocidente pode acontecer que apenas um membro da família esteja ligado à prática consciente, mas os outros membros da família não sabem nada sobre isto e até mesmo acham a prática muito estranha. E se vocês não forem hábeis em sua prática, se alienarão do resto da família. Assim vocês tem que aprender a praticar de tal modo que sua prática inspirará as pessoas ao seu redor. Temos que praticar não estando apegados à forma da prática. Vocês podem praticar de tal maneira que as pessoas não percebam sua prática. Podem caminhar de tal modo que as pessoas percebam que vocês são muito naturais, muito relaxados, muito joviais. Existem pessoas que praticam uma meditação andante que anula o ser: é muito séria, muito dura, nada natural. E se vocês praticam Budismo de tal forma, não ajudarão as pessoas em sua família. Pratiquem de forma que cada dia vocês fiquem mais tranqüilos e sorriam mais, ficando mais abertos. Então um dia a pessoa que vive ao seu lado ficará inspirada para perguntar, “Como você pode fazer isto? Numa situação como esta, como ainda pode sorrir? Qual é seu segredo?” Este é o momento em que vocês podem compartilhar sua prática – mas não antes. Vocês não podem impor sua prática aos outros. Esta é uma arte.

(Sino)

Sabemos que a essência do ensinamento de Buddha é o não-eu. Isto é algo que as pessoas acham muito difícil de aceitar, porque todo o mundo acredita que existe um Eu, e que você é você mesmo, não outra pessoa. Mas com a prática de observação profunda, vemos as coisas de modo diferente. Você se vê como pessoa, um ser humano; você diz que não é uma árvore, não é um esquilo, e não é uma rã. Você não é outra pessoa. Isso acontece porque não observamos profundamente a nossa verdadeira natureza. Se nós fazemos, veremos que somos ao mesmo tempo uma árvore. Isso não quer dizer apenas que em nossas vidas passadas fomos uma árvore ou uma pedra ou uma nuvem, mas que até mesmo nesta vida, neste mesmo momento, vocês continuam sendo uma árvore, vocês continuam sendo uma pedra, vocês continuam sendo uma nuvem. De fato vocês não podem tirar a árvore de vocês, não podem tirar a nuvem de vocês, não podem tirar a pedra de vocês, porque se pudessem, não poderiam mais ser vocês mesmos. Nos contos de Jataka é dito que em vidas passadas o Buddha tinha sido um esquilo, um pássaro, cervo, um elefante, uma árvore. É muito poético, mas não significa que quando o Buddha era uma pessoa humana que mora na cidade de Sravasti, não era mais uma árvore, uma pedra, um cervo. Ele continuou sendo tudo isso. Assim quando eu olho para mim mesmo, vejo que ainda sou uma nuvem, não só durante uma vida passada, mas agora mesmo.

Há uma senhora que escreveu um poema sobre o marido dela que é um estudante meu. Aquele estudante é muito apaixonado por meu ensinamento. E ela disse, “Meu marido tem uma amante, e sua amante é um homem velho que às vezes sonha em ser uma nuvem”. Eu não penso que descrição de mim está correta, porque não estou sonhando em ser uma nuvem – eu sou uma nuvem. Neste mesmo momento vocês não podem tirar a nuvem de mim; se tirassem a nuvem, eu desmoronaria imediatamente. Vocês não podem tirar a árvore de mim; se o fizessem, eu desmoronaria. Olhando profundamente em nossa verdadeira natureza assim, vemos que o que chamamos Eu é feito apenas de elementos de não-eu. Esta é uma prática muito importante, e não parece tão difícil quanto podemos imaginar. Assim você é o filho, mas não só é o filho, você é o pai. Se tiram o pai de vocês mesmos, irão desmoronar. Vocês são a continuação de seu pai, de sua mãe, de seus antepassados. Isso é não-eu. O filho é feito de pai, o pai é feito de filho, e assim por diante. E a prática é que diariamente temos a oportunidade de olhar para as coisas deste modo — caso contrário vivemos de um modo muito superficial, e não obtemos o coração da vida. Um homem jovem pode dizer, “eu odeio meu pai. Eu não quero ter qualquer coisa a ver com meu pai”. Ele é muito sincero, porque toda vez que pensa em seu pai, a raiva surge. É muito desagradável, portanto ele quer se separar de seu pai, e está determinado a fazer isso. Mas como tal uma coisa pode ser possível? Como é possível tirar seu pai de vocês? A dura realidade é que vocês são seu pai. Melhor seria reconciliar com o seu pai interior. Não há nenhum outro modo. Vocês podem se comportar como aquele jovem quando acreditam na realidade de um Eu, mas no momento em que virem a verdadeira natureza do eu, vocês já não poderão se comportar assim. Vocês sabem que o único modo é aceitar, reconciliar e transformar. Vocês sabem que é o preconceito, a ignorância em vocês que causam todo o sofrimento.

O outro dia a Monja Phuoc Nghiem praticou o “Tocando a Terra” sozinha no salão de meditação para rezar pela sua avó. Ela também tinha pedido que todas as suas irmãs mais velhas e as irmãs mais jovens se juntassem para poderem rezar e enviar energias à sua avó que tinha falecido, mas ela também praticou sozinha o tocar a terra. Durante o primeiro ano de pratica aqui ela pensava muito freqüentemente que algum dia um querido membro de sua família iria falecer, e como lidaria com isso. E toda vez que em Plum Village havia uma cerimônia de prece por alguém falecido, aquele pensamento voltava: “Como lidarei com a situação ao saber que um membro de minha família faleceu? Então um dia ela ouviu que o bebê que a sua irmã tinha dado à luz tinha falecido poucas horas depois do nascimento, e que sua irmã sofreu muito. Sua irmã morava na Alemanha. E quando falou com ela, a Monja Phuoc Nghiem percebeu o sofrimento, a instabilidade e o desespero na voz da irmã. Por perceber sua irmã sofrendo, a Monja Phuoc Nghiem também sofreu, e tentou praticar de modo a sofrer menos, porque ela sabia que se não sofresse menos, não poderia ajudar a sua irmã. Ela telefonou para sua mãe no Vietnam, e a mãe disse, “Foi melhor assim do que criar a criança durante dois ou três anos e então a ver morrer depois, quando o sofrimento seria muito mais intenso. Porque após dois ou três anos de cuidados por uma criança, o apego será muito mais profundo, e é claro que o sofrimento seria muito maior. Assim, você precisa considerar isto como uma abóbora no jardim… há flores que murcham e não se tornam uma abóbora, e isso também é verdade com humanos. Há crianças que nós podemos manter, e há crianças que nós não podemos manter desde o princípio. Isso é algo que acontece.”

Quando a Monja Phuoc Nghiem falou comigo, eu lhe contei a história sobre meu irmão. Antes de eu viesse, minha mãe estava grávida, e ela abortou. Às vezes eu me perguntava se aquele era meu irmão ou era eu que não quis vir à luz, por julgar que o tempo não era apropriado para nascer. Isso também era uma meditação sobre o eu e o não-eu. Quando eu dizia, “Era meu irmão ou era eu?”, estava usando as palavras “irmão” e “eu” como duas entidades separadas. Mas se nós olhamos profundamente nisto, vemos que meu irmão sou eu, e eu sou meu irmão, assim vocês podem ver a realidade de não-um, não-dois nisto. Quando olhamos o pai e o filho e vemos a realidade não-dualística, a integração dos dois, poderemos ver a mesma coisa com nossos irmãos e nós mesmos. Eu não posso tirar meu irmão de mim, meu irmão não me pode me tirar dele, assim meu irmão e eu nos integramos. Nós não podemos dizer que somos um ou somos dois, porque um e dois são conceitos. “O mesmo” é um conceito, “o diferente” é outro conceito, e a realidade transcende todos os conceitos. O mesmo é aplicado com o pai e filho, o irmão mais jovem e irmão maior, e nós podemos ver o fluxo da vida. Quando a Monja Phuoc Nghiem praticou o “Tocando a Terra” para sua avó, ela descobriu muitas coisas interessantes. Antes de fazer esta técnica ela estava praticando meditação andante no Sunset Boulevard do Upper Hamlet vendo o vinhedo, os campos de trigo, estava caminhando e vendo que sua avó caminhava com ela. Ela se lembrou que quando era uma menina pequena sua avó costumava acalentá-la com cantigas vietnamitas. Durante seu primeiro e segundo anos como monja em Plum Village, ela pensava freqüentemente nos dias em que regressaria para o Vietnam e caminharia da mesma forma com a sua avó, a qual amava tanto. Ela teve bons momentos com sua avó. Ela disse que agora não tem mais que esperar — sua avó veio para cá e está fazendo meditação andante com ela, e que sua avó estaria contente ao ver os campos de trigo, porque eles se parecem muito com os campos de arroz do Vietnam. Enquanto ela praticava o “Tocando a Terra” viu que sua avó também praticou o Tocando a Terra antes, mas que era a primeira vez que ela praticava o Tocando a Terra da maneira do Plum Village. No estilo de Plum Village você fica na posição de Tocar a Terra por muito tempo, pelo menos três inspirações e três expirações, e ela achou maravilhoso que a sua avó estivesse praticando o Tocando a Terra no estilo do Plum Village consigo.

Ela olhou a sua mão e disse, “Esta é minha mão, mas esta também é a mão de minha mãe, e esta é a mão de minha avó…” Assim ela pôde ver a presença da sua avó na sua mão esquerda, e então apertou sua mão esquerda com sua mão direita, e sentiu muito claramente que estava segurando a mão da sua avó. Isto foi algo muito real, e não imaginação. E ela chorou por causa daquela felicidade. Ela não mais sentia que estava separada da sua avó, a sua avó está dentro dela e está praticando com ela, e qualquer sorriso que ela der será para liberar a si mesma e liberar a sua avó ao mesmo tempo.

De forma que esta é uma boa prática: vocês podem ver a natureza da integração entre vocês e suas avós. É o mesmo quando eu olho para mim e vejo a natureza de integração entre a nuvem e eu. A nuvem e eu não podemos ser afastados um do outro.

O que vocês fizeram no passado devido à sua inabilidade também é assim. Se no passado vocês fizeram algo equivocado, isso foi devido a muitas condições: vocês não tiveram um pai que poderia ajudá-los naquele momento; não tiveram uma mãe ou um professor para os ajudarem naquele momento a serem mais hábeis de que eram; e a semente daquela falta de habilidade foi transmitida a vocês por muitas gerações. Vocês não puderam reconhecer aquela semente em si; cometeram um engano; fizeram coisas equivocadas. Isso significa que todos os seus antepassados fizeram isto junto com vocês naquele momento. Olhando a partir do insight (discernimento) do não-eu, vocês vêem que todos estavam fazendo a coisa equivocada que vocês fizeram, junto com vocês. Vocês tem que perceber isto, e o essencial [para fazer isso] é que fiquem livres da noção de eu. Está claro que quando vocês podem inspirar conscientemente e sorrir, todas as gerações de antepassados em vocês estão sorrindo ao mesmo tempo. Não só seus antepassados, mas as gerações futuras em vocês podem sorrir juntamente; portanto toda vez que cometerem um engano, toda vez que fizerem uma coisa equivocada, todos estão fazendo-a com vocês. Agora que vocês estão em contato com o Dharma, percebem que aquela era uma coisa equivocada a fazer, e ficam motivados pelo desejo de nunca fazer isto novamente.

Eu disse antes que se nós não cometemos nenhum engano, não há nenhum modo de aprendermos. De forma que é por olhar profundamente, e ver a natureza do ato, a natureza de integração do ato à luz do não-eu, que nós vemos que aquele é um tipo de ato, aquele é um tipo de fala que criou sofrimento. O momento em que vocês percebem isto, quando reconhecem isto, é o Esclarecimento, porque Esclarecimento sempre é o esclarecimento de algo, ou sobre algo. O momento quando vêem que esta é uma falta de habilidade de sua parte e de parte dos muitos antepassados que transmitiram esta semente a vocês, então isto já será o esclarecimento, já será meditação, já será o olhar profundamente. E devido a este esclarecimento vocês são motivados por um desejo de que não gostariam de fazer o mesmo novamente. De forma que este desejo, esta aspiração é uma energia forte, uma forte energia que pode fazê-los vivos, que pode lhes ajudar a se protegerem, protegerem todas as gerações futuras dentro de vocês, e aquele insight (discernimento) é muito libertador. E se vocês sabem que não vão fazer a mesma coisa novamente, já estarão livres, e seus antepassados também estão livres, e não há nenhuma necessidade de serem presas em sentimentos de culpa.

(Sino)

O ensinamento budista sobre o Começar Novamente é muito claro: “A inabilidade vem de nossa mente, e a inabilidade pode ser transformada por nossa mente. Se a transformação acontece em sua consciência, então a inabilidade desaparecerá como uma realidade no mundo manifestado. A mente é como um pintor.” Este é o ensinamento de Buddha, que a mente é como um pintor. O pintor pode pintar qualquer coisa, e ele pode apagar tudo. Assim se no passado vocês pintaram algo de que não gostam, e se estão determinados a não pintar isto novamente, então apaguem tudo. Isso depende de sua mente, sua consciência. Se há luz, há esclarecimento em sua consciência, há uma forte determinação, a consciência de que “Isto é algo negativo, é algo prejudicial, não é algo benéfico, e eu estou determinado a não permitir isto acontecer novamente,” e então a mente é transformada. E quando a mente é transformada, a liberação já estará lá para vocês e todos os seus antepassados, e se vocês ainda estão pegados àquele sentimento de culpa será porque vocês não fizeram o trabalho de Começar Novamente, e isto significa que vocês não praticaram a observação profunda de sua imaturidade, sua falta de habilidade. Se vocês o tivessem feito, então veriam que muitas condições surgiram para que aquela ação ou aquela sentença fosse possível. E agora, com seu esclarecimento, com sua determinação, vocês jamais permitirão que estas condições venham a juntar-se novamente para repetir a mesma coisa. Sua consciência, seu esclarecimento, é o elemento que prevenirá estas condições de se juntarem novamente.

Se sua prática do Começar Novamente não tiver êxito, será porque sua capacidade de olhar profundamente na realidade da situação não foi profunda o bastante, pois não houve nenhuma transformação dentro de sua consciência, ou dentro da consciência de seu companheiro, a outra pessoa. Não é porque o método não seja efetivo, mas porque vocês realmente não o praticaram. A prática do Começar Novamente é transformar sua mente profundamente, e para adquirir tal transformação, vocês precisam observar muito profundamente, na luz da integração do ser. Eu sempre falo para meus estudantes que tudo o que vocês fazem, eu faço com vocês, então por favor tenham cuidado. Isso é verdade; e tudo o que eu faço, você fazem comigo. Se eu quebro os preceitos, se eu me comporto de um modo irresponsável, todos meus estudantes suportarão os frutos [destes atos], isto é óbvio. Assim eu não posso agir de forma a fazê-los sofrer. Essa é uma energia muito forte que me mantém na prática correta, porque eu sei muito bem que se não estiver atento, se não estiver praticando corretamente, todos meus estudantes, meus discípulos, sofrerão. A mesma coisa é verdade com meus discípulos: se eles não praticam atitudes conscientes, se eles não praticam os preceitos, se eles fazem sofrer uns aos outros, eu sofro; Eu terei que assumir tudo, porque nós estamos integrados. Nós não podemos estar separados. O professor não pode ser professor sem estudantes, e os estudantes não podem ser estudantes sem um professor. Assim se o Começar Novamente não trouxer o resultado desejado, é porque vocês não o fizeram a fundo. Vocês podem ter tentado fazê-lo falando de um modo ou de outro, mas não viram profundamente que vocês e as outras pessoas inter-existem. Se percebessem assim, o resultado viria imediatamente. Quando eu estava na Itália, realizamos um retiro não longe de Roma e fomos para um campo de oliveiras. Eu notei que as oliveiras estavam crescendo em grupos de três ou quatro, e fiquei surpreendido. Mas descobri que tinha havido um ano muito frio e todas as oliveiras tinham morrido, por isso eles tinham cortado todas as árvores ao nível do solo e trouxeram mais terra, e no ano seguinte novas oliveiras surgiram. De uma oliveira, havia agora duas ou três ou quatro árvores de azeitona. E eu dei uma palestra de Dharma às crianças na Itália, e disse que vocês e seus irmãos e irmãs pensam que são três, mas de fato, se vocês tocam suas raízes profundamente verão que são um só. Assim ficar bravo com sua irmã ou seu irmão está errado; ao contrário, vocês tem que ajudar a ele ou a ela, porque ajudá-los é ajudar a si mesmo. Esta foi a maneira em que ensinei o “não-eu” às crianças, e elas entenderam imediatamente. Havia uma pequena menina que não gostava do seu irmão, e como estava

assistindo muita televisão, tinha a tendência de eliminar o que ela não gostava. E um dia ela disse, “Por que nós não eliminamos o irmão mais jovem?” Isto foi muito perigoso. Você não gosta de seu irmão mais novo, deseja que seu irmão mais novo desapareça, e imagina que pode fazer isto facilmente, como usar um controle remoto. Mas depois da palestra de Dharma que eu falei para ela, e os ensinamentos dados por alguns irmãos e irmãs que me acompanharam, a menina foi para casa e transformou-se. E um dia ela disse para seu irmão, “Irmão, eu estou aqui por você. Do que precisa? Eu farei para você.” Assim sabedoria e esclarecimento são possíveis até mesmo com crianças muito jovens. Se vocês tocam o solo do Ser profundamente, acharão a natureza da integração dos seres, e sentirão que é muito melhor ajudar a outra pessoa do que estar bravo com ela e puni-la, porque quando castigam vocês se castigam de alguma forma. Imagine um pai e filho que sempre tentam machucar um ao outro: ambos sofrem, e continuam sofrendo. Durante a Guerra de Vietnam havia um soldado americano que se tornou muito bravo porque a maioria dos soldados de sua unidade foram mortos em uma emboscada por guerrilheiros vietnamitas; isso aconteceu em uma aldeia na zona rural, assim devido a sua ira ele queria vingança. Ele queria matar várias pessoas que pertenciam àquela aldeia. Assim pegou uma bolsa de sanduíches, misturou pólvora de explosivos neles e os deixou à entrada da aldeia. Ele viu as crianças saindo e levando os sanduíches alegremente pensando que alguém tinha deixado estes sanduíches deliciosos por ali, e comeram juntas, divertindo-se muito. E apenas meia hora depois ele viu-as começarem a mostrar sinais de dor. Seus pais, mães e irmãs vieram, e tentaram ajudar, lhes dando massagem e medicamentos, mas o soldado americano que tinha se escondido não muito longe de lá, sabia muito bem que não havia nenhum modo de salvar aquelas crianças, e que elas morreriam. Sabia que até mesmo se elas tivessem um carro para transportar as crianças para o hospital, seria muito tarde. Devido à raiva ele fez essas coisas. Se a raiva for muito forte em nós, somos capazes de fazer qualquer coisa, até mesmo as coisas mais cruéis.

Quando ele regressou para a América, sofreu por causa disso: aquela cena lhe aparecia nos seus sonhos, e ele nunca pôde esquecer aquilo. A qualquer hora durante o dia, se ele se visse só em uma sala com crianças, não era capaz de ficar, e tinha que sair imediatamente do lugar. Ele não pôde falar sobre aquilo com ninguém exceto à sua mãe, que disse “Bem, era uma guerra e em uma guerra você não pode evitar que estas coisas aconteçam.” Mas isso não o ajudou, até que ele foi a um retiro organizado pelo Plum Village na América do Norte. Durante muitos dias ele não pôde falar para as pessoas a sua história. Era um retiro muito difícil. Nós nos sentamos em círculos de cinco ou seis pessoas, e convidávamos as pessoas a falar sobre o seus sofrimentos, mas haviam aqueles que se sentavam lá impossibilitados de abrir suas bocas. Havia veteranos de guerra que estavam profundamente feridos internamente, e o medo e desespero ainda estavam lá. Quando nós fizemos a meditação andante eu vi um ou dois andando muito para atrás, pelo menos vinte metros atrás de nós. Eu não entendi por que eles não se aproximavam, mas caminhavam tão longe assim. Quando alguém os inquiriu, descobriram que estes ex-soldados tinham medo de serem emboscados. Assim eles caminhavam muito atrás de forma que, se algo acontecesse, teriam bastante espaço para fugir. Um dos veteranos de guerra montou uma barraca na selva, e para aplacar seu medo montou armadilhas ao redor de sua barraca. Isto aconteceu no retiro da América do Norte… ele sempre tinha os guerrilheiros ao seu redor, e dentro dele, prontos para matá-lo a qualquer hora. Finalmente aquele americano, veterano da Guerra do Vietnam, pôde nos falar de sua história sobre os explosivos postos nos sanduíches. Era muito bom para ele poder falar sobre isto, especialmente na frente de vietnamitas, seus inimigos anteriores. Eu lhe dei uma prescrição. Eu tive uma entrevista privada com ele, e disse, “Agora olhe, você matou cinco crianças, sim. E isso não é uma coisa boa para fazer, sim. Mas você não sabe que muitas crianças estão morrendo neste mesmo momento, em todos lugares, até mesmo na América, por causa de falta de medicamento, de comida? Você sabe que 40,000 crianças morrem diariamente no mundo, só pela falta de medicamento e comida? E você está vivo, você está fisicamente sólido. Por que você não usa sua vida para ajudar as crianças que estão morrendo neste momento? Por que fica preso nas cinco crianças que morreram no passado? Há muitos caminhos… se você quiser, eu lhe contarei como salvar cinco crianças hoje. Há crianças que precisam de apenas um pacote de medicamento para serem salvas, e você pode ser aquele que trará este pacote de medicamento para eles ou elas. Se você praticar diariamente desta maneira, as crianças que morreram por causa dos explosivos sorrirão em você, porque estas cinco crianças terão participado de seu trabalho de salvar muitas crianças que estão morrendo neste mesmo momento “. Assim, a porta foi aberta, de forma que o homem não mais se viu apanhado pelo sentimento de culpa. Isso é o amrita, a ambrosia da compaixão, de sabedoria, oferecida pelo Buddha: sempre há uma saída. De forma que aquele veterano de guerra praticou e pôde ajudar muitas outras crianças no mundo. Ele regressou ao Vietnam, fez o trabalho de reconciliação, e as cinco crianças que morreram começaram a sorrir dentro dele e se tornaram unas com ele. No princípio foi uma imagem infeliz, mas agora as cinco crianças ficaram vivas, se tornaram a energia que lhe ajuda a viver com compaixão, com compreensão. O lixo pode ser transformado em flores se nós sabemos como fazê-lo.

Se você é uma pessoa que foi abusada sexualmente quando criança, e se sofreu com isso, você também pode praticar para curar sua ferida, de modo muito semelhante. O que você deve fazer está descrito muito claramente nos Cinco Treinamentos de Consciência: “Eu me comprometo a proteger a integridade e a segurança de famílias e casais. Eu me comprometo a fazer o meu melhor para proteger as crianças do abuso sexual.” Isso é algo que vocês podem fazer. E se você faz o voto na frente do Sangha, do Buddha, e do Dharma, de dedicar sua vida para proteger crianças que estão sendo ameaçadas agora neste mesmo momento, sua ferida de infância será curada. Você adquirirá muita alegria, e seu sofrimento será transformado em uma flor. Se você não tivesse sofrido daquela forma talvez não se tornasse um protetor de crianças, como você é hoje. Assim você olha seu sofrimento no passado e fica grato a isto, grato que aconteceu, pois assim você pôde se tornar um bodhisattva que protege as crianças. Esta é a coisa maravilhosa sobre o Dharma: o Dharma sempre oferece uma saída, contanto que você saiba olhar profundamente a natureza de seu sofrimento. Não nenhuma necessidade de se apegar àquele sofrimento. Se ainda está apegado, significa que você não praticou a observação profunda, não permitiu que a energia de compaixão em você crescesse, para que assim você se torne um instrumento do Dharma, um instrumento do Buddha.

(Sino)

Se você ofendeu alguém, se fez alguém sofrer, aquela ferida ainda está em você. E se quer curar a ferida, pode praticar assim: sente-se quietamente e observe a natureza das palavras ou da ação que você fez no passado. Diga, “eu estou arrependido, eu fiz isto por ignorância, por uma falta de compreensão; eu era ignorante, ninguém me ensinou. Eu lhe fiz sofrer, minha querida, e me fiz sofrer muito também, assim eu prometo que nunca farei isto novamente. E eu faço isto por mim, por você, e pelas muitas gerações que virão.” Se puder fazer isto, verá que a pessoa dentro de você sorrirá. Normalmente nós pensamos que o passado se foi, que não se pode regressar ao passado e mudar as coisas, mas isso não é verdade. Sempre há uma saída, de acordo com o Dharma, porque de acordo com o Dharma o passado existe na forma do presente, porque a ferida ainda está ali. Assim toque sua ferida profundamente, e diga, “Este foi um produto de uma falta de sabedoria, compaixão, o produto da ignorância. Eu posso ver seu efeito em mim, no mundo e nas outras pessoas, e estou empenhado no desejo de não permitir que isto aconteça novamente.” Este tipo de sabedoria, este tipo de luz, este tipo de determinação, este tipo de amor, se torna uma fonte muito poderosa de energia que prevenirá o reagrupamento das condições para que a mesma coisa aconteça novamente. Apenas sente-se e respire quietamente, e diga a ele ou ela que você está arrependido e que não fará isto novamente, e faz isto por você e por ele ou ela, e os verá sorrindo para você, e ficará livre. E sua liberdade é a liberdade deles, sua liberdade é a liberdade de todos os seus antepassados, seus filhos e os filhos de outrem. Tudo vem da mente. Se a mente é transformada, tudo se transformará. Este é o ensinamento do Começar Novamente no Budismo. Na prática nós sempre regressamos para o Buddha, o Dharma e o Sangha, não como noções mas como realidade. O Sangha é algo que você pode tocar, que pode viver diariamente. O Dharma também, o Dharma vivo. O Dharma vivo é algo que você pode produzir em todo passo que der, em toda respiração que fizer, em todo minuto de meditação, de trabalho. O Buddha disse, “que se tome refúgio apenas no que é sólido”. Existe uma ilha dentro [de nós], e vocês devem regressar para esta ilha de consciência, nela tocando o Buddha, o Dharma e o Sangha, e não deveriam confiar em coisas que são impermanentes, que podem se desmoronar a qualquer momento. Se vocês tem uma convicção forte no Dharma, não há nenhuma razão para vocês terem medo de qualquer coisa. Para ter confiança no Dharma, vocês tem que ter êxito na prática. Há raiva, há ciúme, há confusão, e porque você oferece o Dharma como prática, tem uma chance de transformar estas aflições do passado, e devido a sua fé, sua confiança no Dharma aumenta muito. Isto é para seu benefício e o benefício de todos nós. Portanto, tomar refúgio no Dharma é muito importante. Você já não terá nenhum medo. Se tomar refúgio no Dharma, saberá que tudo o que lhe acontecer, poderá ser usado [a seu favor] para preservar sua paz, sua estabilidade. O Buddha disse tome refúgio no Dharma e mais nada. Claro que, como um praticante você precisa de um professor, precisa de um irmão de Dharma, precisa de uma irmã de Dharma. Mas o que faz de um professor um professor é o Dharma. O que faz de um irmão de Dharma um irmão de Dharma, é o Dharma. Assim você confia na substância do Dharma, e não apenas na presença física daquela pessoa que chama de professor, ou irmão ou irmã. Se ele é seu irmão no Dharma, é porque tem o Dharma em si. Se ele é seu professor de Dharma, é porque o Dharma habita nele. Assim se você aprende como tomar refúgio no Dharma, então mesmo se não houver um professor , não houver um irmão de Dharma, você ainda estará sólido, não desmoronará, porque é no Dharma que tomamos refúgio, e não em qualquer outra coisa.

Suponha você teve a experiência de um ataque de pânico, ou uma depressão; se você adotou alguma prática para superar aquele ataque de pânico, aquela depressão, saberá que possui o Dharma em si. Da próxima vez que aquilo acontecer poderá sorrir disto, porque saberá lidar com esta tormenta. Assim confiar no Dharma, e não confiar em qualquer outra coisa, é a recomendação feita pelo Buddha. Existem pessoas que perguntam como elas podem sobreviver sem uma casa, uma conta bancária, ou sem esta ou aquela pessoa, mas se você tem confiança dentro de si, onde quer que vá poderá criar condições de viver, de tal modo que poderá contribuir para o bem-estar do mundo.

Havia uma senhora que era uma refugiada entre pessoas de um barco que chegou à costa da Tailândia, e ela foi roubada de todo o ouro que tinha trazido. Devido ao fato dos piratas de mar terem levado tudo dela — todos os seus pertences, o dinheiro, sua jóias — ela só ficou com uma minúscula peça de ouro em sua boca. Ao chegar ela se perguntou, “Como eu posso sobreviver com apenas este pouco ouro?” Próximo a ela havia um cavalheiro que tinha sido roubado de tudo exceto suas bermudas – suas camisas foram levadas, suas calças, tudo — e ele estava rindo e estava rindo. Ele disse, “Como posso sobreviver só com estas bermudas?” Ele estava muito contente porque tinha confiança em si. Estar vivo, isto era mais que suficiente para ele; ele não precisava de qualquer outra coisa. Assim nós deveríamos cultivar um tipo de não-medo: se nós praticamos o Dharma, e podemos contar com o Dharma, então não há nenhuma razão por que deveríamos ter medo de qualquer coisa, até mesmo se sabemos que a vida é impermanente. Nós podemos perder um ente querido no futuro, e o mundo inteiro será nosso refúgio.

Ainda há muitas outras perguntas que não foram respondidas. Uma questão a mais é sobre o sentimento de não sermos bastante bons: “Como alguém pode saber que não é bastante bom, baseado em que critério você vê que não é bom o bastante?” No retiro que oferecemos na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, haviam muitas pessoas novas, e elas não estavam acostumadas ao modo budista de se curvar, de ficar em pé, de fazer saudação, e elas ficaram um pouco confusas sobre qual a coisa certa a fazer. E minha resposta foi que vocês não tem de fazer qualquer coisa: se estão atentos, isto já é suficiente. O problema não é se curvar, ou não se curvar, o problema é estar atento ou não estar atento. Assim se você sabe que está praticando a consciência, e a consciência se torna mais que uma energia, uma realidade em sua vida diária, saberá que está avançando bem no caminho. Até mesmo se vocês ainda tem muitas negligências, muitas inabilidades, se sabem que estão cultivando a consciência diariamente, penso que isso é suficiente, não só para vocês, mas para todos nós.

(três sinos)

[Fim da Palestra de Dharma]


Nota 1:
Para livre distribuição, como exercício de Dharma. Aqueles que desejarem oferecer uma doação ao Templo orientado por Thich Nhat Hanh, podem envia-la para o seguinte endereço:
Transcription Project
Plum Village – Lower Hamlet
Meyrac, Loubes-Bernac, 47120 FRANCE
Site do Templo: http://plumvillage.org/


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