O Zen oferece a Paz

de Daigyo Moriyama Rosh


Moriyama Roshi é um dos maiores mestres vivos do Zen-Budismo japonês. Após a meditação, os discípulos cantam os Sutras e recitam, um a um, os nomes dos patriarcas que transmitiram o Zen desde o Buda Sakyamuni até nossos dias. Como elos de uma corrente ininterrupta, a cada nome uma reverência de corpo e mente. Ao final desta longa lista de transmissão mente-à-mente do puro Dharma, as vozes se calam em Moriyama Roshi.

"O Zen oferece a Paz"

Introdução

É muito difícil passar ao leitor o clima deste encontro histórico. Por isso, a necessidade deste preâmbulo. Na simplicidade e na espontaneidade, um grande mestre expressa mais ensinamentos do que a palavras a seguir podem oferecer. Moriyama vem de uma cultura milenar. Sobreposto a isto, vimos um homem corporificando uma tradição budista de, pelo menos, 2500 anos de sabedoria. O silêncio de Moriyama falou profundamente. Infelizmente,a presença, o olhar, os gestos, só puderam ser sorvidos pelos entrevistadores. É importante, então, que o leitor considere tudo isto e que a entrevista se deu em inglês – que não é a língua mãe de Moriyama ou de seus interlocutores – idioma que serviu apenas como tosca ponte, cujo mérito residiu em permitir que todos pudéssemos trafegar em ambos os sentidos e desfrutar de um lindo momento. Repare o leitor que, por exemplo, quando usa a palavra "mente"(mind), Moriyama leva a mão ao coração, não à sua cabeça… De nossa parte, procuramos perguntar o que imaginamos ser de interesse do praticante e do público em geral. Contudo, não deixamos de inquirir sobremaneira aquilo que somente um grande mestre poderia responder.

Não temos palavras, mas precisamos agradecer a todas as pessoas do Grupo VIAZEN que nos auxiliaram a realizar este trabalho e gostaríamos de dedicar todos os possíveis méritos ao benefício de todos os seres e da continuidade de transmissão dos ensinamentos do Darma. Foi assim, em meio a um retiro, num local ermo e aprazível, que ouvimos a voz de Moriyama Roshi.

Bodigaya:

-O que é um "Roshi"? O que significa?

Moriyama Roshi:

-Esta é uma palavra especial do Zen Budismo japonês. É um título honorífico dado nos mosteiros Zen a um professor de alto nível que orienta, leciona ou dá ensinamentos para outros monges. No Japão há muitos monges budistas, mas poucos com este título.

Etimologicamente, a palavra Roshi vem da China e significa professor, elevado professor.

Bg.:

-Há algum teste ou exame? (O mosteiro)Eihei-ji reconhece este título?

MR.:

-Não apenas Eihei-ji reconhece este título. Não há exames, não é um título obtido através das provas ou teste. É um honorífico(o valor de "honorífico" ou "honradez" na cultura japonesa é gravemente diferente e superior aos padrões comuns vigente para "honra" ocidentais).

Bg.:- Por que o Sr. veio ao Brasil e a Porto Alegre? O Sr. tem alguma incumbência oficial à divulgação do Budismo Zen no Brasil?

MR.:

-O abade do templo de Eihei-ji, no Japão, solicitou-me que viesse a São Paulo representar o Soto Shu na América do Sul. Não havia sacerdote no templo paulista Bushin-ji e, assim, fui nomeado para lá, com esta posição oficial de Sokan.

Tenho visitado vários lugares no Brasil, entre eles, o Sangen Zendo em Porto Alegre.

A minha missão é de transmitir o Zen Budismo japonês nos países da América do Sul.

Bg.:

-Como foi sua formação dentro do Budismo?

MR.:

-Eu me formei em Filosofia na Universidade Kowazawa pertencente ao Zen Soto Shu. Depois, fui para o mosteiro de Eihei-ji como monge e, em seguida, fui ao próximo maior mosteiro Soto Shu do Japão, onde tive uma educação especial como Mestre Zen, isto é, especialista no treinamento de monges; tornando-me professor do Zen.

Bg.:

-O Sr. sempre aspirou tornar-se um monge e um mestre? Como isso aconteceu na sua vida?

MR.:

-Eu estava estudando Filosofia na Universidade, então, meu interesse se voltou para a religião comparada e estudei muitas religiões. Assim, meu foco de interesse se deslocou da filosofia para Budismo e daí para o Zen. Então, encontrei meu mestre e me tornei seu discípulo.

Bg.:

-Que idade o Sr. tinha?

MR.:

-Vinte e quatro anos.

Bg.:

-E agora, que idade o Sr. tem?

MR.:

– (Moriyama brinca com nosso interesse, pergunta nossas idades respectivas, faz comentários, muitos risos.) Tenho cinqüenta e nove anos.

Bg.:

-E antes da Universidade o Sr. nunca pensou em ser monge?

MR.:

-Não. Eu tinha interesse em religião, mas não pretendia ser monge.

Bg.:

-Como o Sr. alcançou um progresso tão rápido?

MR.:

-Penso que encontrei o melhor mestre Zen do Japão. Esta foi a minha "boa fortuna no Dharma". E tive ainda um segundo mestre Zen que era o próprio Abade de Eihei-ji. É a posição mais elevada no Zen Budismo Soto, equivalente ao Dalai Lama no Budismo Tibetano. Ele se chamava Niwa Roshi.

Bg.:

-Como é a vida cotidiana de um mestre Zen?

MR.:

-Temos uma tradição de várias centenas de anos de vida monástica. Seguimos uma metodologia que considera os ensinamentos de Mestre Dogen e é claro, do Buda.

Bg.:

-O Sr. tem muitos discípulos atualmente fora do Japão? E no Brasil?

MR.:

– Sim, tenho cerca de oitenta discípulos (leigos) em diversos países como Brasil, EUA, Argentina, Uruguai. França. Alemanha, Suécia, Áustria, Canadá, Coréia e Sri Lanka.

Bg.:

-O que o Sr. pensa de outras manifestações do Budismo em desenvolvimento no ocidente e desta "efervescência" do Budismo? O Sr. vê algum risco aí?

MR.:

– O Budismo tem mais de 2.500 anos e existem muitas escolas, muitas derivações (ramos). Sou um professor Zen, não sei muito acerca das outras escolas que foram para diversos países e adquiriram sabores particulares. No entanto, alguns grupos religiosos novos e estranhos surgiram, não para divulgar os verdadeiros ensinamentos budistas, mas apenas para ganhar dinheiro. Este é um perigo real.

Bg.:

-Estão disponíveis hoje via internet muitos ensinamentos budistas. É possível a uma pessoa praticar sem a orientação de um mestre?

MR.:

-O que é certo na nossa tradição, o ponto mais importante, é encontrar um mestre. O Budismo originou-se com o Buda e a transmissão aos seus discípulos. Foi por eles que o Buda ensinou. Então, de acordo com a tradição, não se pode praticar o budismo sem um mestre. Esta é a minha visão.

Obviamente, nós estudamos para adquirir conhecimentos. Porém, os verdadeiros ensinamentos do Buda não podem ser alcançados sem o auxílio de um mestre.

Bg.:

– A internet é um sistema global, às vezes com ensinamentos e práticas (incluindo rituais) de grande profundidade ao alcance de qualquer pessoa. O Sr. vê algum problema em alguém praticar a partir dali?

MR.:

-Estou sempre falando sobre isto: da mesma maneira, se você quer aprender a nadar lendo um manual ou na Internet, você não pode nadar. No Budismo também é assim.

Br.: -Você precisa "pular na água"?

MR.:

-Sim (risadas)

Bg.:

– Há muitas críticas ao orientalismo, à importação de religiões. O Sr. acredita que vai se transpor o Zen Japonês para cá ou irá surgir e se desenvolver um Zen com características locais? Por exemplo, em que língua serão recitados os Sutras?

MR.:

-Sim, isto é o que é necessário. O Brasil necessita de um Budismo brasileiro, não do Budismo japonês. Vocês criam um novo Budismo; seu grupo, o VIAZEN, cria um novo Zen. O Brasil criará um budismo próprio. De outra forma seria imitação. Imitação não é cultura. Com o Budismo Tibetano é a mesma coisa. Um Budismo Tibetano brasileiro.

Os Sutras devem ser recitados ou cantados na língua própria do país. Este é o meu conselho

Bg.:

-No Brasil, a mídia passa uma imagem de "uma pessoa Zen" é alguém meio desligado, que acha que está sempre "tudo bem", às vezes beirando mesmo a negligência e o descaso. Como o Sr. vê isto?

MR.:

-Eu não me preocupo com a mídia. Eu estudei para me tornar monge por 34 anos e não precisei de jornais, televisão, revistas, etc. Nós sempre consideramos a realidade, não a informação.

Bg.:

-O que é o Zen? Como pode ser ensinado?

MR.:

-O Zen é a essência do Budismo. Através do Zazen (meditação zen) o Buda alcançou a iluminação.

Sou Mestre Zen japonês, então ensino aos meus discípulos a vida monástica japonesa. Os discípulos aprendem através da prática.

Bg.:

-No que consiste a prática da meditação dentro do Zen? Ouve-se falar em parar os pensamentos, ou em ficar mais calmo e controlado no dia-a-dia. É isso que se procura? Há objetivo na prática?

MR.:

-Antes de mais nada, precisamos definir a palavra, de outra forma não podemos entender. "Meditação", etimologicamente, vem do latim. Na idéia geral das pessoas, meditar significa pensar profundamente, concentração, consideração.

Meditação no Zen não é pensar; é criar, é iluminação, é intuição. Não significa pensar, considerar ou contemplar. Meditação é simplesmente iluminação. O objetivo da meditação é iluminar. Meditação não é um caminho intelectual, é diferente disso, é o oposto. Pensar é analisar. Zen é intuição, iluminação.

O objetivo do Zen é o Nirvana. Compreender o Nirvana. Alcançar a experiência do Nirvana.

Bg.:

-Alguns praticantes do Zen falam de retiros (seshins) onde há muitas horas seguidas de meditação. Isto requer uma dose de esforço e adestramento físico. Como o sr. vê o esforço na prática?

MR.:

-Seshin é um período intensivo de meditação, não é a prática de todos os dias. Há diferentes níveis de praticantes: iniciantes, intermediários e avançados. Os estudantes avançados querem praticar mais. Então se realizam seshins uma ou duas vezes ao ano. O propósito de vida dos monges é diferente, praticam meditação quatro vezes ao dia. O praticante leigo não necessita de tanto. Pessoas leigas têm responsabilidades na família, na sociedade. Não são monges e não precisam de longos períodos de meditação. Os seshins para leigos acontecem quando eles querem praticar mais e alguns têm uma forte vontade ou disposição mental para sentar ("sitting mind").

Bg.:

-No Zen há muitas manifestações culturais: pinturas, poesia, artes marciais, cerimônia do chá, arranjos florais, etc. Como estas se relacionam com o caminho ou prática do Zen? O que é um "caminho" ("Do")?

MR.:

-"Do" é uma palavra oriental especial, vem da China. Na Filosofia oriental, ao se aprender uma técnica, não somente através do estudo da técnica, se constrói sempre a personalidade. Por exemplo, no caso do arranjo de flores. No pensamento ocidental basta estudar a técnica e a metodologia e está pronto. Mas, na tradição oriental, através do arranjo floral se estuda o significado da vida, construindo a própria personalidade. Então, surge o caminho através do arranjo de flores. Esta é uma visão muito especial.

Bg.:

-O Sr. recomenda que as pessoas façam meditação por conta própria?

MR.:

-Na vida moderna, cada vez mais perdemos a calma, estamos sempre correndo, nossa mente está sempre em movimento. Nós realmente precisamos de um tempo especial, puro e claro, ou perderemos o controle da mente. Então, eu sugiro que o tempo livre seja aproveitado para a meditação. Uma vez ao dia é bom, duas vezes é melhor, três vezes é muito melhor.

Bg.:

– Alguns textos falam do paradoxo de que se deve praticar para atingir a iluminação, mas que não se pode desejar atingi-la. Isto não é incompatível? Como atingir algo(através da prática) sem busca? Como desejar sem desejar?

MR.:

– Mestres do Zen sempre trabalham com contradições. Isto é uma técnica de professores. Os seres humanos vivem num estágio básico onde distinguem opostos: bem e mal, gostar e desgostar, Deus e Diabo, longo e curto, etc. O primeiro passo do Mestre Zen é quebrar esta forma. Assim, às vezes um mestre dá respostas contraditórias ao discípulo. O ensinamento é muito particular, individual. Para uma pessoa muito tensa o mestre diz: "Relaxe!". Para uma pessoa muito preguiçosa ou relaxada o mestre diz: "Mais esforço!". Depende do que a pessoa necessita naquele momento. Quem vê externamente se pergunta: "Qual a verdade? Ora o mestre diz ‘relaxe’, ora diz ‘mais tensão’. Este mestre é louco!" (risos)

Bg.:

– O que é iluminação? Ela pode ser descrita?

MR.:

– Iluminação é realizar os ensinamentos do Buda. A vida muda. Há uma auto-realização. Não é um estado abstrato.

Bg.:

– A iluminação acontece subitamente ou é causada, como resultado da prática? Ela tem etapas ou degraus?

MR.:

– Ambos. Para algumas pessoas acontece como resultado do envolvimento em atividades como a arte; as pessoas passam a expressar a beleza. Para outras, ocorre por intuição, subitamente.

Bg.:

– Como se tornar iluminado?

MR.:

– Praticando com um mestre, esta é a melhor forma. Um mestre iluminado espalha iluminação.

Bg.:

– É possível reconhecer a iluminação em um discípulo? Como?

MR.:

– É fácil quando o mestre é iluminado. Um mestre iluminado reconhece.

Bg.:

– A iluminação é algo que acontece só com budistas?

MR.:

– Eu não conheço outras tradições, só o budismo.

Bg.:

-O Sr. considera que possa acontecer com outras religiões, com cristãos por exemplo?

MR.:

-Eu penso que sim.

Bg.:

-Em que o Budismo Zen pode contribuir nos tempos atuais, nas questões da vida moderna? Há esta preocupação?

MR.:

-Sim. É o que sempre enfatizo. O Zen Budismo contribui com a paz da mente. Um praticante do Zen pratica a paz da mente, então, como budista, ele oferece aos outros a paz da mente.

Bg.:

-Quais são as perspectivas do seu trabalho no Brasil, como o Sr. vê o futuro deste contato? Há algum projeto em andamento?

MR.:

-Eu tenho discípulos, estudantes. A dedicação a eles é a minha missão. Então, os estudantes e discípulos brasileiros criam um novo Budismo e um novo trabalho. Eu simplesmente ensino os meus discípulos. Esta é a minha missão.

Bg.:

-Mas, não há planos ou projetos?

MR.:

-Sim, eu tenho um novo projeto. O Grupo VIAZEN vai iniciar a construção de um Centro de Treinamento Zen nas montanhas.

Bg.:

-Se algum leitor se interessar em seguir o Budismo Zen ou em ser seu discípulo direto, o que deve fazer?

MR.:

-Visitar o VIAZEN. Será bem-vindo. Estou esperando.

Bg.:

-A Bodigaya ficaria honrada em poder ajudar. Se algum leitor quiser apoiar o seu trabalho, a construção do Centro, a quem deve se dirigir?

MR.:

-Novamente, dirija-se ao VIAZEN.

Ao final de nossa entrevista, quando esperávamos já ter tomado tempo e atenção demasiados,

Moriyama Roshi surpreendeu a todos os presentes com a gentil declaração a seguir:

Esta entrevista é muito significativa para mim porque eu sinto que as pessoas brasileiras têm uma forte energia. uma mente que busca o caminho…

Em alguns países as pessoas estão perdendo a direção, o significado da vida, porque, após a segunda guerra mundial, buscaram um desenvolvimento apoiado em bens materiais, no estilo americano de viver e pensar, especialmente o japão. Lá, após a segunda guerra mundial, o objetivo de cada pessoa era se tornar rica. Elas se tornaram ricas, mas agora estão bloqueadas, perdendo o sentido da vida. As pessoas se tornam ricas, mas têm mais sentimentos de infelicidade. A mente se tornou pobre. Eu penso que

em todos os países acontece o mesmo.

No próximo século uma nova era espiritual será alcançada e isto é muito importante.

Por outro lado, a tecnologia crescerá cada vez mais e as pessoas não poderão acompanhá-la. Se cada pessoa não tiver uma filosofia verdadeira, um significado. um objetivo, haverá mais sofrimento e preocupações.

É por isto que cada país procura um mestre espiritual verdadeiro como, por exemplo, o Dalai Lama. Por isto ele recebeu o prêmio Nobel.

Às vezes os grupos religiosos são muito sectários, pensando que são os melhores e que os outros estão errados. Felizmente, em Porto Alegre nosso grupo iniciou no Centro de Estudos Budistas a quatro anos atrás. Sou muito grato a Aveline, grato aos seus ensinamentos, alguns dos meus discípulos estudaram com ele. Por isto eu quero continuar mantendo boas relações com o grupo budista tibetano.

Nós somos budistas. Eu sou um mestre Zen japonês, o Budismo tibetano tem o Rimpochê. o Budismo Teravada tem um mestre Teravada. Nos respeitamos mutuamente. A palavra moderna é globalização. O próximo século será muito bom para o Budismo, tenho idéias muito esperançosas. Isto significa que o Budismo brasileiro se desenvolverá porque o Brasil é um país muito novo.
Claro está que o Budismo Zen Soto Shu veio ao Brasil muitos anos atrás, mas até bem pouco tempo restringia-se a comunidades japonesas. Agora está se espalhando.

Felizmente com professores brasileiros, Daijo San no Espírito Santo, Cohen San em São Paulo.

Penso que, de agora em diante, aos poucos, mais monges Zen brasileiros se formarão, o mesmo acontecendo no budismo tibetano.



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