Para o budismo, a crise religiosa é sinal de transformação


Para os budistas, como o monge Gustavo Pinto, a crise religiosa pela qual passa o mundo tem o seu lado “saudável e auspicioso”, pois representa “uma transformação e vivificação das instituições religiosas”. Eles não concordam com o papa João Paulo II, que numa famosa entrevista à televisão italiana disse que o budismo é um sistema ateu que promove um estado de indiferença com relação ao mundo. “O papa está mal assessorado”, rebate a monja Coen Murayama.

Vivemos um momento de redespertar religioso, crise religiosa no mundo, nas instituições religiosas, onde há muita insatisfação. Tudo isto é saudável e auspicioso, diz o monge Gustavo Pinto, porque representa uma transformação e vivificação das instituições religiosas. “Mas não é possível transformar o mundo sem transformar o ser que sustenta o mundo.”

Mas dizer que o Budismo é de certo modo, um sistema ateu e que promove um estado de perfeita indiferença em relação ao mundo, como se referiu o papa João Paulo II numa famosa entrevista para a televisão italiana depois transformada em livro “Cruzando o Limiar da Esperança”… No mínimo “com todo o respeito pela sua santidade, o papa está mal assessorado”, diz com toda a firmeza a monja Coen Murayama, do Templo Busshinji que significa Coração-Mente-Buda. O que aprendemos com o Zen-Budismo, ” é que não basta só observar o mundo, é preciso interferir e agir pela transformação. Não é pela força, mas compreender, tolerar e transformar, com compaixão”, diz a monja Coen Murayama.

Em tempos de desordens da vida coletiva invadindo a vida particular, com os problemas no campo político, econômico e social. O medo, a ansiedade, a loucura, a dualidade do prazer e da dor. É preciso recuperar o equilíbrio, buscar caminhos de meditação: mentalizar, cantar, vizualizar e respirar.

Estreiteza de espírito

“Quase todas as pessoas sofrem constantemente e inutilmente, por estreiteza de espírito, com o fato de não obterem o que desejam e de serem confrontadas com aquilo de que não gostam,” diz o monge tibetano Matthieu Ricard, em conversa com seu pai, o folósofo francês Jean François Revel, em O Monge e o Filósofo – O Budismo Hoje.

E como estamos todos no mesmo barco, diria um bodhisatva, é preciso estar desperto e consciente, em estado de Buda, de iluminação conseguida através da introversão que é oriental, enquanto a extroversão é tipicamente ocidental. Na psicologia budista existe o conceito da consciência cósmica, impessoal e inconsciente de todas as manifestações psíquicas, uma antecipação do conceito de Inconsciente Coletivo desenvolvido por Jung.

Para o Oriente parece muito claro a capacidade de autolibertação, diz Jung. As escolas orientais são escolas de auto-realização e que tem como objetivo o autoconhecimento, muitas através da meditação. E portanto são definitivamente psicológicas.

Uma questão individual

Escolas que despertaram o interesse de Jesus Cristo, que teria vivido na Índia dos 12 aos 30 anos, como do carmelita S. João da Cruz, de monges beneditinos e eremitas do deserto. A Meditação, Cristã foi recuperada nos anos 80 pelo beneditino canadense John Main, uma tradição seguida pelos monges beneditinos no Mosteiro de São Bento.

“A casa de meu Pai tem muitas moradas, tudo é a mesma fonte para o redespertar espiritual, é o religare”, diz o psicoterapeuta humanista, com formação Junguiana na Puc, Arnaldo Bassoli, diretor Cultural do Comitê Brasileiro de Apoio ao Tibete, responsável pela vinda do Dalai Lama em abril em plena comemoração do nascimento de Buda, em 8 de Abril. “Refiz o caminho da minha espiritualidade, me tornando budista”.

A culpa era uma carga familiar, com formação católica, muito forte na vida de Arnaldo. “Com a meditação budista é possível mudar o estado de consciência e tornar quem você é”, diz Arnaldo. Descobrir a sua vocação, o seu lugar, dá liberdade para questionamentos. Hoje vivemos a depuração de todas as tradições e a devoção e a relação mestre-discípulo, é uma questão individual, conclui Bassoli.

Para o arquiteto e professor de desenho João Baptista Novelli Jr., que recebeu recentemente a ordenação leiga no Templo Busshinji o que o faz mestre de zazen para principiante: ” A prática religiosa é a prática cotidiana da vida”.

É preciso viver corretamente o momento, diz ele, “pois cada instante é reverenciado como um grande acontecimento, existe uma interdependência, tudo se relaciona,” diz o ensinamento budista. “Quando eu como, eu como, quando falo, falo. Nada falta, nada em excesso”, diz um dito Zen.

O Budismo também despertou interesse no escritor João Guimarães Rosa que compôs uma estética de koans zen-budistas (histórias paradoxais para se resolver um problema e obter um insigth, a iluminação), comprovados pelo professor de literatura, Paulo Carneiro, também praticante da meditação do zen- budista Thich Nhat Hanh. No prefácio de Tutaméia, como em Corpo de Baile, um koan a Guimarães Rosa: “A vida é como um rio, como vem, vai e continua.”

No koan Rinzai japonês, a lógica do absurdo: “Você pode ouvir o ruído de suas duas mãos batendo uma na outra, ouça agora o ruído de uma mão só.”

Marília Balbi, especial para o JT


  1. Extraído do site www.monjacoen.com.br.


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